Perfis: Luiz Carlos Sales, comércio e solidariedade no sangue

Todos os dias da semana a Kombi lotada de refrigerantes e bebidas achocolatadas estaciona no centro de Joinville às sete da manhã, e dali sai somente após atender ao último cliente da região. Há 20 anos essa é a rotina diária do comerciante Luiz Carlos Sales, 54 anos, mais conhecido como Sales pelos bares, restaurantes e mercadinhos da cidade. Sempre bem alinhado, ele e o sobrinho mantém o atendimento no horário marcado, e se atrasam, os clientes já ligam. “Se a gente não chega naquela hora, o telefone já toca”, comenta ele, que na luta pela vida venceu o alcoolismo e tem ação dedicada na Pastoral Antialcoólica de Joinville, que fundou em 1994.

Natural de Garuva, Sales é o mais velho de uma família de dez irmãos. Cansado de passar necessidades, um dia disse ao pai que ia ganhar a vida. “Eu disse a ele: pai eu não quero mais passar fome. Vou atrás de trabalho, nem que seja pela comida”, conta. A família vivia de trabalhos na agricultura, e a alimentação era na base de banana verde cozida, com farinha, e café amargo com polenta, segundo ele. Pensou em ir a Curitiba trabalhar de garçom, mas ao chegar no Posto Bem Bem, encontrou o tio que trabalhava em uma borracharia, e aí o rumo mudou. Convidado, ia negar alegando não conhecer do ramo. “Aí ele me perguntou: sim, mas o que você sabe fazer? Topei e fiquei uns cinco anos por lá”, relembra Sales.

Após esse tempo, trocou Garuva por Joinville para trabalhar na Engepasa, onde ficou apenas seis meses como borracheiro. A convite de amigos que trabalhavam na Batavo conseguiu uma vaga de motorista vendedor sonhada há tempos, e lá permaneceu por 12 anos e meio em duas passagens intercaladas por breve passagem pelo Café Urú. Vendeu iogurte, frios, frango e outros em uma região enorme que ia de São Francisco do Sul, Guaramirim, Jaraguá do Sul até Canoinhas no planalto norte. Bom vendedor, atendeu também Criciúma e região e Lages. Cansado de ficar longe da família, e com o álcool tomando conta da sua vida, ele pediu para ficar com a praça de Joinville, que foi negada. Por isso saiu e trabalhou com café, mas logo retornou à empresa.

A bebida foi sua amiga por 12 anos, e quase acabou com família, trabalho e saúde. “As amizades me levaram a beber, e como já tinha pré-disposiçao ao alcool, fui um pulo para me afundar”, revela. Cachaça e cerveja eram consumidas aos borbotoes. Família era colocada em último plano, e os amigos de bar e jogos ganhavam destaque. “Tinha garrafões em casa, bebia no almoço, e principalmente depois do serviço. Apaguei várias vezes sem saber onde estava, ou como chegava em casa. A Nina (esposa) foi muito forte”, elogia Sales à companheira com quem vive há 33 anos e cuja uniao gerou quatro filhos e cinco netos. Um dia, depois de outra discussão familiar, fez uma promessa de nunca mais beber. “Dia 17 de junho comemoramos meus 20 anos de sobriedade com a Pastoral”, conta feliz.

Ao mesmo tempo Sales iniciava com seu negócio próprio, vendendo chocomilk, laranjinha, em uma kombi marrom, famosa por muitos anos. Hoje vende chocoleite e laranjinha Água da Serra, e mantém depósito em sua casa no bairro Fátima. Simples, religioso e muito família, o comerciante comemora o resultado do trabalho em vendas que amealhou milhares de amizades, e a atividade na Pastoral Antialcoolica, que o realiza. “Atendo a todos igualmente, sem distinguir cargo, idade, classe, e isso ajudou no sucesso dos negócios. Já na Pastoral é maravilhoso ajudar pessoas e famílias que são atingidas pelo álcool. Temos site, vamos construir a nossa sede, e isso me faz bem. Acho que puxei essa veia solidária da minha mae”, afirma o vendedor vencedor.

* Publicado na seção Perfil do Jornal Notícias do Dia Joinville (SC) em junho de 2011

Pastoral Antialcoólica, exemplo de cidadania e organização popular

Trabalho voluntário da Pastoral é modelo para a sociedade

Na noite de fria de ontem, segunda-feira, em Joinville (SC), atendi convite do amigo, microempresário e líder comunitário do bairro Fátima, Luiz Carlos Salles, e participei da minha primeira reunião da Pastoral Antialcoólica onde a entidade foi fundada em 1994 – Igreja São João Batista. Apesar do frio intenso, intensa era também a receptividade e o acolhimento que as cerca de 50 pessoas presentes ofereciam a cada um que chegava.

Em cada rosto e olhar, a prova de que não existe o impossível em nossas vidas, se quisermos sair de determinada situação que nos aflige, maltrata ou desagrada. Os cabelos grisalhos de homens e mulheres – sim, havia mulheres também! -, o sorriso de pessoas jovens, de adolescentes e gente de meia-idade, esbanjava alegria por estar ali, comemorando mais um dia sem álcool, mais um dia de sobriedade.

Tudo na Pastoral é feito com método. Desde a hora de inicio, passando pelo silêncio respeitoso a quem está testemunhando sua vida e sofrimento, até o tempo máximo de falação, e chegando à comemoração final com café, água e refrigerante, a organização é perfeita, e a participação é motivada e quase exigida de todos que frequentam.

Fui acolhido com carinho, e apresentado por Salles como um apoiador antigo da Pastoral, coisa que até eu não lembrava mais de ter feito em alguma época. Escrevi projetos, abri caminhos para a criação da logomarca, e outras coisas que meu amigo e fundador da Pastoral me fez lembrar. Agradeci a oportunidade de estar ali, e destaquei que já perdi um irmão por conta do álcool, e sei o que ele causa nas famílias, para a saúde de todos, para a sociedade. E passei a ouvir a reunião, e observar o belo trabalho que fazem.

Emocionou a todos os testemunhos de pessoas que receberam medalhas por três, seis meses, sete anos e até 16 anos de sobriedade. Principalmente quando uma menina e um menino adolescentes falaram sobre a vida que recomeçava com seu pai sem beber álcool, a paz voltando ao lar, e a luta que empreenderam junto com a mãe e uma vizinha para salvar sua família. Simplesmente maravilhoso ver aquilo. Esquenta o coração de qualquer um.

A Pastoral Antialcoólica tem hoje 21 núcleos pela cidade, que certamente ajudam muito na redução de crimes familiares, acidentes e internações, um forte apoio na saúde pública e assistência social na maior cidade catarinense. Um trabalho sério, religioso por ser ligado à Igreja Católica, mas aberto a todas as denominações religiosas – aliás, até um membro da Igreja do Evangelho Quadrangular estava recebendo a medalha – que mostra onde pode chegar um povo se existir vontade, união e determinação.

Exemplos como esse existem em todas as áreas, e devem ser motivados, apoiados e financiados, porque rendem frutos poderosos para a reconstrução da família e da sociedade, tão atacadas que são pelo consumismo, modismos e mudanças culturais de nossos tempos. Parabéns a todos e todas que me receberam tão bem na noite fria de inverno, vocês são as pessoas que realmente fazem a diferença! Continuem esse belo trabalho, e contem com este Blog para divulgar suas atividades.