Impunidade – Auditores fiscais do trabalho pedem a prisão dos mandantes da Chacina de Unaí

PalavraLivre-chacina-unai-impunidadeDoze anos após o assassinato de três auditores fiscais do trabalho, episódio conhecido como Chacina de Unaí, a categoria ainda espera a prisão dos mandantes do crime.

“Para nós, este 28 de janeiro é um pouco diferente porque representa uma data em que temos a condenação garantida de todos os envolvidos no crime. Mas a sensação de todos nós, auditores fiscais do trabalho, ainda é que a Justiça não se fez plenamente”, disse o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva.

Os quatro mandantes da chacina foram julgados e condenados em outubro e novembro de 2015, mas tiveram o direito de recorrer em liberdade. Três pessoas foram condenadas e presas em 2013 como executoras do crime.

“Para nós, é de extrema importância que, assim como os executores que foram condenados e presos, os mandantes, que representam o poder político e econômico, também tenham aplicada a legislação, sem distinção”, afirmou Silva.

O dia 28 de janeiro foi instituído o Dia do Auditor Fiscal do Trabalho e Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo em homenagem aos auditores Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e ao motorista Ailton Pereira de Oliveira. Eles foram mortos em 2004 quando investigavam denúncias de trabalho escravo em fazendas na cidade mineira de Unaí.

Os recursos dos mandantes do crime serão julgados pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Hoje (28), o Sinait fará um ato público em frente à sede do órgão, em Brasília, para pedir rapidez na apreciação e no julgamento de recursos e para que as penas sejam cumpridas.

Em 2013, condenados por homicídio, Rogério Alan Rocha Rios foi condenado a 94 anos de prisão; Erinaldo de Vasconcelos Silva, a 76 anos de reclusão; e William Gomes de Miranda, a 56 anos de prisão.

Em outubro de 2015, o fazendeiro Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de prisão como mandante do crime e o empresário José Alberto de Castro, intermediário entre os mandantes e os pistoleiros, a 96 anos e cinco meses de reclusão.

O fazendeiro e ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, irmão de Norberto, também acusado de ser mandante do crime, foi condenado em novembro de 2015 a uma pena de 99 anos, 11 meses e quatro dias de prisão.

O empresário Hugo Alves Pimenta, outro intermediário entre pistoleiros e mandantes, fez acordo de delação premiada e teve pena de 47 anos, três meses e 27 dias de prisão.

Combate ao trabalho escravo
Para Carlos Silva, a Chacina de Unaí trouxe à tona um problema social, que é o trabalho escravo e as dificuldades de combatê-lo.

“Os auditores fiscais, especialmente os que enfrentam o trabalho escravo, continuam sofrendo graves ameaças, continuam expostos ao mesmo ambiente de insegurança que vitimou nossos colegas em 2004. Nós agimos em nome do Estado brasileiro e precisamos de um suporte institucional que nos dê segurança. A despeito de termos o acompanhamento da polícia, ela nem sempre está conosco nas operações”, disse.

Segundo o presidente do Sinait, 2,5 mil auditores fiscais do trabalho estão em atividade em todo o país. “Já tivemos nove equipes do Grupo de Fiscalização Móvel [do Ministério do Trabalho e Previdência Social], hoje são quatro, especialmente em razão da não reposição do quadro”, explicou, citando pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que diz que o Brasil precisa de, pelo menos, 8 mil auditores.

Deixar a missão de enfrentar o trabalho escravo para os grupos regionais de auditores é, para Silva, uma “temeridade”.

“Lá, os auditores fiscais do trabalho são moradores, eles estarão circulando nos mesmos ambientes que os criminosos. É uma medida de segurança ter o foco da ação de enfrentamento nos grupos nacionais, com auditores circulando pelo país”.

Questionado sobre a contratação de mais auditores fiscais do trabalho, o Ministério do Trabalho e Previdência Social não retornou o pedido à reportagem da Agência Brasil.

Com informações da Ag. Brasil

Trabalho Escravo: Mulher de auditor morto em Unaí diz que sente vergonha por “mendigar” justiça

Há 11 anos à espera do julgamento dos responsáveis pelo assassinato do marido, o auditor fiscal do trabalho Nelson José da Silva, morto no episódio que ficou conhecido como a chacina de Unaí, a secretária Helba Soares da Silva diz estar envergonhada e desanimada pela demora no desfecho do caso e por ter que “mendigar” justiça.

Em 2004, em meio a uma fiscalização em fazendas na cidade mineira de Unaí, a 170 quilômetros de Brasília, com indícios de prática de trabalho escravo, três auditores fiscais do trabalho – Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson, além do motorista do Ministério do Trabalho Ailton Pereira de Oliveira – foram brutalmente assassinados por pistoleiros. Em memória dos servidores,  28 de janeiro foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Para lembrar a data e cobrar rapidez no julgamento, representantes do Sindicato Nacional dos Auditores fiscais do Trabalho e de várias organizações ligadas à temática do combate ao trabalho escravo farão hoje (28) um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Mais de uma década depois do crime, os acusados de serem mandantes da chacina, entre eles, os fazendeiros Antério e Norberto Mânica, ainda não foram a júri. “Sinceramente, estou com vergonha de ir lá [a Brasília] pela décima primeira vez mendigar justiça, pedir que aqueles homens olhem o processo. Não foi apenas contra pessoas, mas contra o Estado brasileiro. Sinceramente, eu vou para o ato, mas vou envergonhada, tenho até vergonha de estar falando com vocês”, disse Helba à Agência Brasil.

Para ela, depois de mais de dez anos, a impunidade se transformou em uma ferida que não cicatrizou. “Não acaba, tem 11 anos e a gente não pode enterrá-los. Não tem como você enterrar uma pessoa esperando o julgamento dos assassinos, sabendo quem foi, a motivação. Até hoje não teve o julgamento. A gente é leigo, mas vamos aprendendo, entendendo e dói muito”, lamentou Helba.

A secretária acredita que a repercussão do crime, incialmente, provocou mudanças positivas, mas a demora na conclusão do caso disseminou a sensação de impunidade. “[A situação] na cidade [de Unaí] mudou, porque agora qualquer um se acha no direito de ameaçar fiscal. Em Unaí quase não há fiscalização porque os auditores têm medo de ir para lá. Já tive contato com auditores de outros estados que foram para lá e deixaram a cidade depois de várias ameaças. Os grandes proprietários de terra acham que nada acontece com eles”.

O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Alexandre Lyra, informou, no entanto, que não há dados que comprovem o aumento das ameaças e tentativas de intimidação de auditores fiscais depois da chacina.

“A gente não tem um aumento considerável de ameaças aos fiscais em razão da chacina de Unaí. Mas é bom que fique claro que é uma busca incessante da inspeção que os mandantes sejam punidos. Seria bom para o Estado brasileiro, para os parentes das vítimas, para a inspeção do trabalho que quem cometeu o crime fosse punido. Mas não podemos afirmar que houve aumento de ameaças e intimidações”, disse Lyra à Agência Brasil.

Em agosto de 2013, depois de nove anos, três acusados – entre os nove indiciados, um deles já morto – foram julgados e condenados e cumprem pena em Minas Gerais. O julgamento de mais cinco réus deveria ter ocorrido em outubro do mesmo ano, mas uma decisão liminar do STF suspendeu o processo. Os acusados querem a transferência do júri de Belo Horizonte para Unaí.

Enquanto o julgamento não acontece, resta a saudade para a viúva Helba Soares da Silva.  “Lembro de tudo, é como se fosse hoje. Ele levantou, os colegas o pegaram aqui na porta de casa. Ele ainda brincou porque havia uma corrente com um crucifixo que tinha deixado na beira da cama. Voltou para buscá-lo e disse que estava saindo com o corpo aberto. Ele saiu dizendo que até as 14h voltaria para almoçar em casa. É complicado.”

Da EBC