Inclusão – Jovem com autismo é pré-candidato a vereador em Araquari (SC)

Por enquanto ele ainda é apenas pré-candidato, mas daqui há poucos dias poderá ser confirmado candidato a vereador na cidade de Araquari, região nordeste de Santa Catarina. Marco Antônio do Rosário tem 17 anos, é estudante do IFSC e está filiado ao Podemos, mas já esteve no PSDB, e realizou o processo de emancipação para poder se candidatar ao cargo eletivo, talvez a primeira pessoa portadora do TEA (Transtorno do Espectro Autista) a disputar eleições no Brasil. O Palavra Livre conversou com o jovem autista pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Ele disse que uma das questões que o levaram a intenção de concorrer a vereador foi “com a pretensão de ajudar as pessoas que enfrentam o mesmo problema que o meu. É fundamental que a criança e o jovem encontrem na escola ou qualquer outro lugar um acompanhamento clínico efetivo”, destacou.

A dificuldade de conquista de medicamentos, acessibilidade para as pessoas com deficiência, o preconceito, seriam algumas das motivações de Marco para participar da política. “Tenho ideias de incentivo aos jovens, direcionar aos esportes, um melhor cuidado do município ao meu loteamento, e também um incentivo para programas voltados à saúde, que atenda a todos né”, explica. O jovem já enfrentou preconceito antes mesmo de anunciar sua pré-candidatura, quando algumas pessoas o consideraram incapaz por ter autismo. “Mas nada que eu não possa superar”, avisa Marco.

Ele já frequentou sessões na Câmara de Vereadores, e também visitou a Assembleia Legislativa de SC, conversou com vereadores e deputados, tudo para compreender melhor a atividade política. Marco foi diagnosticado com autismo na primeira infância, quando tinha quatro anos e ainda não tinha desenvolvido a fala ou respondido a estímulos sensoriais. A família buscou ajuda médica para iniciar o tratamento. Inicialmente o seu diagnóstico foi de TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, e somente tempos depois, em Porto Alegre (RS), teve confirmado o autismo.

Hoje Marco faz o ensino médio integrado ao ensino técnico em informática no IFSC. “Tenho dificuldades como qualquer aluno, e principalmente em exatas, mas sou bom em ciências humanas e linguagens”. Ele recebe acompanhamento de psicóloga e psicopedagogas, e credita à escola atual o seu desenvolvimento. “Evolui socialmente no convívio nesta escola, pois professores e colegas alunos sabiam das minhas dificuldades e me ajudaram a superar e tornar meu convívio social e escolas mais inclusivo”, destaca o jovem. Ele acredita que a convivência nestes ambientes políticos também o ajudaram na socialização.

Com todo o apoio da família Marco acredita que já é um vencedor por ter chegado até o momento atual, onde postula ser candidato a vereador. “O resultado da eleição é importante, claro, mas conseguir chegar até aqui já vale muito. Desejo que outros pais e mães que tem o mesmo transtorno acreditem em seus filhos e os estimulem, eles sintam-se motivados com a minha iniciativa”, revela. Ainda faltam etapas para que ele seja confirmado candidato. Ele terá que ser aprovado em convenção partidária que deve ocorrer entre 15 e 30 de setembro próximo. Só aí terá certeza de que poderá exercer a sua cidadania nas eleições.

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Desafios das pessoas com deficiência também no sistema eleitoral
O desafio do cidadão araquariense Marco Antônio é realmente significativo em um país que não consegue avançar nos direitos de vários grupos. O Brasil possui cerca de 45 milhões de pessoas com deficiência – PCD, segundo dados mais recentes do IBGE. Para se ter ideia da dificuldade de garantir representativa a estas pessoas, na legislatura atual apenas dois parlamentares com deficiência compõem o Congresso Nacional. Felipe Rigoni, deputado federal pelo Espírito Santo com deficiência visual, e Mara Gabrilli, senadora pelo estado de São Paulo, com deficiência motora. Dentro dos partidos, todavia, não existem dados concretos acerca do número de PCD filiadas. Dentre estes, aqueles com deficiência intelectual são raríssimos, praticamente desconhecidos1.

De acordo com Martha Nussbaum, uma das principais teorias da justiça do ocidente decorre do contratualismo, segundo o qual um conjunto de indivíduos racionais se une em busca de um benefício mútuo, e decide abandonar o estado de natureza para governar a si próprio através da lei. Essa teoria, ao especificar certas capacidades (racionalidade, linguagem e aptidão mental) como requisitos necessários para a participação na escolha dos princípios sociais básicos, tem como consequência a exclusão das pessoas com deficiência intelectual do processo político2.

A concretização plena dos direitos políticos é um processo ainda em construção no Brasil. Mesmo que a Constituição Federal estabeleça em seu artigo 14 que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, não é possível ignorar que existem coletividades à margem do processo político – a exemplo das pessoas com deficiência intelectual. Esse grupo ainda sofre segregação nas esferas educacional, profissional, familiar e social, bem como pela falta de oportunidade de exercer, em iguais condições, sua participação no meio eleitoral.

O tratamento jurídico a esse grupo sofreu grande impacto no meio internacional a partir Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006. O diploma previu a necessidade de os Estados signatários garantirem a participação “efetiva e plena” das pessoas com deficiência na vida política, com a máxima igualdade de oportunidades.

Aludida Convenção foi internalizada no Brasil pelo decreto legislativo 186, de 9 de julho de 2008, e resultou na lei federal 13.146, de 6 de julho de 2015. O chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD tem como objetivo romper antigos paradigmas de caráter excludente e possibilitar que esse grupo de pessoas possa ser incluído de forma plena em todos os âmbitos da convivência social. Na intenção de promover a inclusão política da pessoa com deficiência – e, especialmente, da pessoa com deficiência intelectual –, a lei trouxe ao campo normativo garantias jurídicas e exigências materiais impostas à viabilização de sua participação, tanto na condição de eleitor, como na de candidato.

É necessário pontuar que uma das mudanças centrais realizadas pelo Estatuto foi no sentido de definir, em seu artigo 6º, que a deficiência (inclusive a intelectual) não afeta a plena capacidade da pessoa. Com a revogação dos incisos II e III do artigo 3º do Código Civil pelo EPD, houve, por consequência, a diminuição do âmbito de incidência do artigo 15, II, da Constituição Federal, o qual define como uma das causas de suspensão dos direitos políticos a incapacidade civil absoluta. Assim, este dispositivo se dirige, atualmente, apenas àqueles que não atingiram os dezesseis anos.

Dados sobre o Transtorno do Espectro Autista

Principais fatos

  • Uma em cada 160 crianças tem transtorno do espectro autista (TEA).
  • Os transtornos do espectro autista começam na infância e tendem a persistir na adolescência e na idade adulta.
  • Embora algumas pessoas com transtorno do espectro autista possam viver de forma independente, outras têm graves incapacidades e necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida.
  • As intervenções psicossociais baseadas em evidências, como o tratamento comportamental e os programas de treinamento de habilidades para os pais, podem reduzir as dificuldades de comunicação e comportamento social, com impacto positivo no bem-estar e qualidade de vida das pessoas com TEA e seus cuidadores.
  • As intervenções para as pessoas com transtorno do espectro autista precisam ser acompanhadas por ações mais amplas, tornando ambientes físicos, sociais e atitudinais mais acessíveis, inclusivos e de apoio.
  • Em todo o mundo, as pessoas com transtorno do espectro autista são frequentemente sujeitas à estigmatização, discriminação e violações de direitos humanos. Globalmente, o acesso aos serviços e apoio para essas pessoas é inadequado.  

O transtorno do espectro autista (TEA) se refere a uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva.  

O TEA começa na infância e tende a persistir na adolescência e na idade adulta. Na maioria dos casos, as condições são aparentes durante os primeiros cinco anos de vida.  

Indivíduos com transtorno do espectro autista frequentemente apresentam outras condições concomitantes, incluindo epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O nível de funcionamento intelectual em indivíduos com TEA é extremamente variável, estendendo-se de comprometimento profundo até níveis superiores.  

Epidemiologia

Estima-se que, em todo o mundo, uma em cada 160 crianças tem transtorno do espectro autista. Essa estimativa representa um valor médio e a prevalência relatada varia substancialmente entre os estudos. Algumas pesquisas bem controladas têm, no entanto, relatado números que são significativamente mais elevados. A prevalência de TEA em muitos países de baixa e média renda é até agora desconhecida.  

Com base em estudos epidemiológicos realizados nos últimos 50 anos, a prevalência de TEA parece estar aumentando globalmente. Há muitas explicações possíveis para esse aumento aparente, incluindo aumento da conscientização sobre o tema, a expansão dos critérios diagnósticos, melhores ferramentas de diagnóstico e o aprimoramento das informações reportadas.  

Causas        

Evidências científicas disponíveis sugerem que provavelmente há muitos fatores que tornam uma criança mais propensa a ter um TEA, incluindo os ambientais e genéticos.  

Os dados epidemiológicos disponíveis são conclusivos de que não há evidência de uma associação causal entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola e o transtorno do espectro autista. Estudos anteriores que sugerem uma ligação causal estavam marcados por erros metodológicos.  

Também não há evidências de que qualquer outra vacina infantil possa aumentar o risco do transtorno do espectro autista. Ao contrário: as revisões sobre a relação entre o conservante timerosal ou os adjuvantes de alumínio contidos em vacinas inativadas e a possibilidade de desenvolvimento do transtorno concluíram firmemente que não há risco algum.  

Avaliação e conduta clínica

A intervenção durante a primeira infância é importante para promover o desenvolvimento ideal e o bem-estar das pessoas com transtorno do espectro autista. Recomenda-se o monitoramento do desenvolvimento infantil como parte dos cuidados de saúde materno-infantil de rotina.  

É importante que, uma vez identificadas, as crianças com TEA e suas famílias recebam informações relevantes, serviços, referências e apoio prático de acordo com suas necessidades individuais. A cura para o transtorno não foi desenvolvida. No entanto, intervenções psicossociais baseadas em evidências, como o tratamento comportamental e programas de treinamento de habilidades para pais e outros cuidadores, podem reduzir as dificuldades de comunicação e comportamento social, com impacto positivo no bem-estar e qualidade de vida da pessoa.  

As necessidades de cuidados de saúde das pessoas com TEA são complexas e requerem uma gama de serviços integrados, incluindo promoção da saúde, cuidados, serviços de reabilitação e colaboração com outros setores, tais como os da educação, emprego e social.  

As intervenções para as pessoas com TEA e outros problemas de desenvolvimento precisam ser acompanhadas por ações mais amplas, tornando seus ambientes físicos, sociais e atitudinais mais acessíveis, inclusivos e de apoio.  

Impactos sociais e econômicos  

O transtorno do espectro autista pode limitar significativamente a capacidade de um indivíduo para realizar atividades diárias e participar da sociedade. Muitas vezes influencia negativamente as conquistas educacionais e sociais da pessoa, bem como oportunidades de emprego.  

Enquanto alguns indivíduos com TEA são capazes de viver de forma independente, outros têm graves incapacidades e exigem cuidados e apoio ao longo da vida.  

Os TEA muitas vezes impõem uma carga emocional e econômica significativa sobre as pessoas e suas famílias. Cuidar de crianças em condições mais graves pode ser exigente, especialmente onde o acesso aos serviços e apoio são inadequados. Portanto, o empoderamento dos cuidadores é cada vez mais reconhecido como um componente fundamental das intervenções de cuidados para crianças nessas condições.  

Direitos humanos
Pessoas com transtorno do espectro autista são muitas vezes sujeitas ao estigma e à discriminação, incluindo menores oportunidades de acesso à saúde, educação e de se engajarem e participarem de suas comunidades.  

Essas pessoas têm os mesmos problemas de saúde que afetam a população em geral. Além disso, podem ter necessidades de cuidados de saúde específicas relacionadas com o TEA e outros transtornos mentais coexistentes. Podem ser mais vulneráveis ao desenvolvimento de condições crônicas não-transmissíveis devido a fatores comportamentais de risco, como inatividade física e preferência por dietas mais pobres. Além disso, correm maior risco de violência, lesões e abuso.  

Indivíduos com TEA precisam de serviços de saúde acessíveis para as necessidades gerais de cuidados de saúde assim como o resto da população, incluindo promoção e prevenção da saúde e tratamento de doenças agudas e crônicas. No entanto, têm taxas mais altas de necessidades de saúde negligenciadas em comparação com a população em geral. Elas também são mais vulneráveis durante emergências humanitárias. Um obstáculo frequente é o conhecimento insuficiente sobre o transtorno do espectro autista e as ideias equivocadas que partem dos profissionais de saúde.  

Resolução da OMS sobre transtorno do espectro autista (WHA67.8)
Em maio de 2014, a 67ª Assembleia Mundial da Saúde aprovou uma resolução intitulada “Comprehensive and coordinated efforts for the management of autism spectrum disorders (ASD)”, que foi apoiada por mais de 60 países.  

A resolução insta a OMS a colaborar com os Estados Membros e agências parceiras no reforço das capacidades nacionais para lidar com o transtorno do espectro autista e outros problemas de desenvolvimento.   

* reportagem produzida pelo Palavra Livre com informações da OMS/OPAS, Migalhas, e entrevista realizada em 7/8/2020.