Índios ameaçados – Equipe de Temer pretende rever demarcações de áreas indígenas

PalavraLivre-terras-indigenasO governo do presidente interino Michel Temer pretende rever todos os decretos homologados pela presidente afastada Dilma Rousseff desde a abertura do processo de impeachment instalado na Câmara, em 2 de dezembro de 2015. A análise será feita nas decisões tomadas pela petista até o dia 12 de maio, quando foi afastada do cargo por decisão do Senado.

No período, Dilma assinou 75 decretos. Muitos deles estão relacionados às demarcações de terras indígenas, questão que recebeu pouca atenção do governo Dilma, que apresentou baixos índices de definição de espaços para usufruto das etnias.

Os últimos atos da petista estiveram focados na edição de leis para as comunidades. Em um mês, mais de 1,4 milhões de hectares foram destinados às tribos indígenas (um hectare corresponde às medidas aproximadas de um campo de futebol oficial).

Em entrevista à Folha, o novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que apesar de existir a previsão de revisar os decretos, “nenhuma medida será tomada sem conversa”. O ministro disse que no primeiro dia de trabalho (sexta, 13) recebeu quatro representantes indígenas que pediram atenção às demarcações.

Entretanto, Alexandre explicou que os atos foram decretados por Dilma “no apagar das luzes” e, por isso, deveriam passar por análise criteriosa do Estado.

Indígenas estiveram com Alexandre de Moraes em seu primeiro dia como ministro
Indígenas estiveram com Alexandre de Moraes em seu primeiro dia como ministro

“Eu me comprometi que qualquer reanálise será feita em conjunto e com diálogo. Eu vou reanalisar todas as portarias deste ano de todas as áreas. É um procedimento que adoto sempre que assumo um cargo, em especial quando isso afeta o direito de terceiros”, avaliou. “Isso jamais será feito sem um diálogo com as partes envolvidas”, ponderou o ministro.

Entenda
Em um pequeno histórico fica notório como os processos ganharam celeridade nos últimos dias de Dilma na Presidência da República. Só no dia 1º de abril foram assinados 21 atos para desapropriar 56 mil hectares reservados à demarcação de terras indígenas.

A atitude gerou desconforto entre o setor ruralista e deputados e senadores ligados ao agronegócio. Parlamentares chegaram a procurar o presidente interino para reclamar das deliberações de Dilma.

No dia 5, foi a vez de o governo federal homologar a demarcação da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, destinada à posse permanente e ao usufruto exclusivo do povo Arara (também conhecido como Ukarãngmã). A reserva tem 733.688 hectares.

Desde meados da década de 1970, a área vinha sendo reivindicada como território tradicional da etnia, mas, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), o processo administrativo de identificação e delimitação de Cachoeira Seca teve início, de fato, em 2004.

Ainda em abril, no dia 20, Dilma decretou a demarcação de 232.544 hectares para atender quatro etnias nos estados do Amazonas e do Pará.

Habitada por índios kaixana, a Terra Indígena Mapari, no Amazonas, é a maior das três novas reservas. Com 157.246 hectares, está localizada nos municípios de Fonte Boa, Japurá e Tonantins.

No Pará, a Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu, habitada por povos arara e juruna, tem 25,5 mil hectares. Ela faz parte dos procedimentos de licenciamento da Usina de Belo Monte. A terceira reserva será ocupada nos territórios dos municípios de Borba e Novo Aripuanã (AM), a homologação da Terra Indígena Setemã atende reivindicação de índios mura. A reserva tem área de 49.773 hectares.

No dia 22 foi a vez do Ministério da Justiça publicar portarias declaratórias da Terra Indígena Sissaíma e Murutinga/Tracajá, ambas no Amazonas. A primeira, com cerca de 8.780 hectares, está localizada em Careiro da Várzea e abrigará indivíduos da etnia Mura. Murutinga/Tracajá tem 13.286 hectares às margens do Rio Mutuca, em Autazes.

Segundo a Funai, essa última terra indígena abrange dois blocos ambientalmente distintos e complementares: a várzea e a terra firme.

Já no dia 25, o então ministro da Justiça, Eugênio Aragão, assinou a portaria em que a Terra Indígena Riozinha, com superfície aproximada de 362.495 hectares, nas cidades de Juruá e Jutaí (AM), são declaradas de posse permanente dos povos indígenas Kokama e Tikuna.

No dia 2 de maio, mais dois decretos foram divulgados no Diário Oficial e confirmam a demarcação administrativa de outras duas terras indígenas. Com a homologação das reservas Piaçaguera, localizada em Peruíbe (SP), e Pequizal do Naruvôtu, em Canarana e Gaúcha do Norte, em Mato Grosso. As áreas também eram reivindicadas há anos.

A Terra Indígena Piaçaguera é destinada à posse permanente do grupo indígena Guarani Nhandeva e tem área de 2.773 mil hectares. Já Pequizal do Naruvôtu destina-se à posse permanente dos Naruvôtu e mede 27.878 hectares.

Com informações da Ag. Brasil e Congresso em Foco

Funai:”Os contratos com indígenas não tem validade”, matéria da Agência Pública

Em setembro do ano passado, os líderes da população Munduruku assinaram um contrato leonino com uma empresa irlandesa, transferindo os direitos aos créditos de carbono da reserva por 120 milhões de dólares. Pelo documento, a empresa ganharia acesso restrito às suas terras e os índios ficariam impedidos de dispor de seu uso sem a autorização prévia da compradora.

O contrato entre a Organização do Povo Munduruku e a Celestial Green foi assinado sem a presença de representante da Funai (Fundação Nacional do Índio), responsável por defender os direitos dos índios e, portanto, por acompanhar negociações comerciais que possam colocá-los em risco. A Pública trouxe a história à tona no dia 9 de março deste ano.

A Funai, no entanto, tomou conhecimento da transação no início de 2011, quando encaminhou o contrato à apreciação da Advocacia Geral da União (AGU). Em seu parecer, a AGU considera o contrato ilegal. Tese que vale para todos os contratos de crédito de carbono em terra indígena no Brasil.

O parecer, ainda não conclusivo, deixa em aberto a possibilidade que outros órgãos da União encontrem meios de regularizar futuros contratos com os indígenas. O presidente da Funai, Márcio Meira, é contra as negociações atuais, como a que envolveu os Munduruku. Mas defende que o comércio de crédito carbono funcione como meio de remunerar os indígenas pela preservação das florestas depois que o mercado for regulamentado no país.

Leia a entrevista:

 

Como a Funai avaliou o teor do contrato assinado entre os Munduruku e a Celestial Green?

Desde que tivemos o primeiro contrato desse tipo, há um ano e meio, nossa avaliação é de preocupação e alerta em relação ao assédio dessas empresas aos indígenas. Procuramos a assessoria especializada da Funai, que é ligada à Advocacia Geral da União, para que analisasse e, se necessário, tomasse medidas judiciais. Tomamos medidas educativas e de precaução. Fizemos uma cartilha distribuída às comunidades indígenas alertando para contratos que podem ser danosos a elas.

Por que a Funai não alertou os Munduruku sobre a ilegalidade do contrato?

A Funai não estava lá, naquele momento. Ficamos sabendo depois da reunião que os Munduruku tiveram com a empresa. Na maioria dos contratos desse tipo, a gente só toma conhecimento depois.

A Funai não sabia da negociação desde o início de 2011?

A Funai sabe que há negociações em curso, alguns indígenas informam. A gente passa a orientação para terem cuidado em relação a esse assédio, dizemos para não assinar o contrato. Mesmo assim alguns contratos são assinados. Mas eles não têm validade jurídica. Nós alertamos as empresas: esses créditos que estão no mercado voluntário não têm validade.

A informação que temos dos Munduruku é que não houve contato e orientação da Funai.

Isso não é verdade,  a Funai está em contato permanente com todos os povos indígenas do Brasil. Temos 36 regionais, quase 300 coordenações técnicas locais, o próprio chefe da coordenação técnica na área é um indígena Munduruku. Ele é a própria Funai.

Mas se a Funai está tão próxima, como não sabia que  o contrato seria assinado?

A Funai sabe de reuniões, mas não há como saber em detalhes o que acontece. Principalmente a sede da Funai. Eu não tomei conhecimento dessa reunião, a não ser depois que aconteceu.

Ambientalistas e movimentos ligados às populações indígenas dizem que a Funai está sendo omissa na orientação dos indígenas assediados por essas empresas. Como o senhor responde a essa crítica?

Não concordo, a Funai tem sido ativa, não tem poupado esforços. Essa cartilha que produzimos para alertar sobre os riscos foi feita com movimentos indígenas. Mas é um assédio muito forte. Mexe com recursos altos o que mobiliza os interesses.

Qual é o teor dos outros contratos que a Funai teve conhecimento?

Eles são parecidos. Temos cerca de 30 contratos, todos muito semelhantes e preocupantes porque não têm base jurídica. A Celestial Green é a que mais fez contratos com indígenas, são mais de dez.

O que vai acontecer com os outros contratos que já foram assinados?

Os contratos com indígenas não têm validade jurídica.

Eles também avançam sobre o direito dos indígenas de uso da terra?

Podem ter alguma cláusula que fere o direito territorial. De qualquer forma, esses contratos não têm validade jurídica. Terras indígenas são propriedade da União, indígenas tem usufruto exclusivo. No caso, o comércio de créditos de carbono não está regulamentado pela legislação brasileira e não é possível ser feito em terras indígenas no momento. Por isso a Funai tem defendido que, o mais rápido possível, seja feita uma legislação regulamentando essa questão.

A Funai já intermediou algum contrato de créditos de carbono?

A Funai não intermedia contratos dessa natureza porque eles são ilegais. Tomamos conhecimento de contratos depois de assinados. O único caso foi o povo Surui que nos procurou dizendo que tinha interesse em assinar e pediu orientação da Funai. Demos a orientação que tem que dar para eles terem cuidado.

A Funai acompanhou o contrato?

A Funai tem acompanhado as manifestações dos Surui para que, se eventualmente assinarem o contrato, não caiam em armadilhas. Pode ser que já tenham assinado, mas eu não tenho essa informação .

A Advocacia Geral da União recomenda que os contratos de crédito carbono devem ser intermediados pela União.  A Funai vai passar a desempenhar esse papel?

Essa é uma missão da Funai: proteção dos direitos dos indígenas em qualquer tema. Em qualquer política pública em relação aos direitos indígenas, a Funai tem que participar. Mas esse caso depende da regulamentação.

O senhor anunciou a Bolsa Verde como um incentivo para que os indígenas não cedam ao assédio financeiro. Mas R$ 100 mensais fazem frente aos milhões de dólares oferecidos pelas empresas estrangeiras?

O serviço que os indígenas prestam à humanidade na preservação da floresta tropical tem que ser reconhecido. A Funai fez isso quando regulamentou um auxílio aos indígenas no trabalho de monitoramento territorial. Mas temos é que olhar para frente e buscar um mecanismo de crédito de carbono. É uma boa ideia, mas não pode ser utilizada para os interesses econômicos apenas de terceiros. Sendo regulamentado, esse é o principal fator que pode contribuir para beneficiar os indígenas.

Circula a informação pelos jornais de que a Funai está funcionando em ritmo lento desde que o senhor pediu demissão. É verdade?

Sobre esse assunto eu não falo, isso é fofoca. Estou trabalhando aqui todo dia, incansavelmente, desde que cheguei há cinco anos.

Da Agência Pública