Covid-19, relato de um sobrevivente

Há um ano estive cara a cara com a morte. Ela buscava tirar-me o ar, as forças, e quase me seduziu. A Covid-19 me deixou quase em trapos, fraco, e sentia que minha energia vital se esvaia… Nasci de novo. Perdi parte da capacidade pulmonar, tenho algumas sequelas de memória, cansaço que chega do nada, piorou minha fibromialgia, depressão, mas estou aqui de pé, como manda o protocolo de quem ama a vida.

Vale também para repetir: a Covid-19 não acabou. Continua aí firme e forte. Use máscara em todos os lugares, não relaxe. Lave bem as mãos, use álcool gel, não aglomere e mantenha ao máximo possível – afinal somos humanos – o distanciamento social. Não faça parte do exército dos negacionistas, vendedores de falsos remédios, responsáveis pelo morticínio de mais de 600 mil vidas de pais, mães, filhos, avós…

E tome vacina, uma, duas doses, reforços, o que for indicado. E viva, faça o bem, acumule momentos com quem ama e te quer bem. Conheça lugares, culturas, estude, leia, aprenda, crie, produza. Valorize seu tempo, ele é vida pura.Hoje celebro meu primeiro ano da vida que ganhei de volta. Minha gratidão final a todos os profissionais da saúde que não param um segundo sequer nesta batalha. Sem vocês, eu não estaria aqui escrevendo mais um texto… Muita força e luz para todas e todos!

* as fotos são de um ano atrás, mascarado em hospital, e de hoje mesmo.

Após superar câncer, americana de 92 anos bate recorde em maratona

Ex-pianista profissional, ela conta que já perdeu amigos e familiares para o câncer, inclusive seu próprio marido
Ex-pianista profissional, ela conta que já perdeu amigos e familiares para o câncer, inclusive seu próprio marido

A americana Harriette Thompson, de 92 anos, bateu um recorde na maratona de San Diego, nos Estados Unidos, ao cruzar a linha de chegada após sete horas, 24 minutos e 36 segundos.

Ainda mais impressionante do que sua idade é o fato de ela ter enfrentado um câncer de boca que tinha retornado duas vezes. A americana cruzou a linha da chegada da Rock’n’Roll Marathon acompanhanda do filho.

Harriete, que tem 92 anos e 65 dias, bateu o recorde de Gladys Burrill, de 92 anos e 19 dias, que obteve o recorde anterior em 2010, na Maratona de Honolulu.

Missão pessoal
No ano passado, ela já havia batido um novo recorde para mulheres acima de 90 anos, com a marca de sete horas e sete minutos. Como costuma participar de corridas organizadas por ONGs de combate ao câncer, estima-se que Harriette já tenha conseguido ajudar a levantar mais de US$ 100 mil para a causa.

Antes da maratona de domingo, ela havia dito que achava que não conseguiria chegar ao fim da prova. Harriette, que era pianista profissional, já perdeu amigos e familiares para o câncer, inclusive seu próprio marido.

“Isso faz dessas corridas algo como uma missão pessoal para mim, algo que me faz sentir muito importante”, disse a americana à revista Runner’s World.

Com informações da BBC

Perfis:Renato Caetano da Silva superou a dependência e se dedica a ajudar quem precisa

Quem vê aquele homem baixo atrás da mesa cheia de papéis, usando óculos e bigode e falando rápido, não imagina a história que tem prá contar. Renato Caetano da Silva, 54 anos, casado e sócio das duas filhas em um escritório de contabilidade, foi escravo do álcool por uma década. Ao servir café à reportagem, ele comentou sorrindo: “Se fosse há alguns anos, a xícara chegava vazia”, fazendo referencia aos tempos em que a bebida era sua companheira ativa desde cedo até a madrugada. Na parede da sua sala um quadro com um frase diz muito – “Deus não escolhe as pessoas capacitadas, mas capacita as escolhidas”.

Filho de um trabalhador braçal e de uma dona de casa, nascido no Itaum, Renato viveu na região até 1976, quando casou com Elisabete, sua companheira inseparável e personagem fundamental na sua recuperação. Começou cedo a trabalhar vendendo laranjas e verduras em uma mercearia no bairro. Em seguida pegou pesado em uma fábrica de móveis. “Ajudava a carregar tábuas, levar prá serra, fazia de tudo”, conta. Ao mesmo tempo estudou na Escola Prática de Comércio Joinville, já extinta. Em seguida conseguiu emprego melhor na Lambri Stein. Fez o segundo grau no Colégio Bom Jesus.

Lá o jovem Renato aprendeu muito. “Fazia folha de pagamento, vendia, tirava notas. Até cobrança fiz”, relembra. Para não parar no tempo, fez o curso de contabilidade à distância via correio pelo Instituto Universal Brasileiro (IUB), pago pelo patrão. Daquele tempo ele conta que a folha de pagamento dos cerca de 100 funcionários era feita toda datilografada. “Os envelopes de pagamento era datilografados um a um. O dinheiro a gente pegava no banco, contava certinho e colocava nos envelopes. Pensa que trabalhão”, explica sorrindo.

Por volta de 1980 a bebida passou a tomar conta de sua vida. Lentamente começou a exagerar na cerveja, passou para os destilados. “Bebia conhaque como água”, conta. Começou a trazer bebida para casa. No trabalho nunca faltou, mas os efeitos do álcool o fizeram deixar os empregos. Bares se tornaram sua casa. A mulher e as filhas Simone e Gisleine começaram a cobrar. “Trabalhei em escritórios de contabilidade com Nelson Gruner, Luis Santana, Carlos Viertel, e quando fiquei bem ruim trabalhava na Mecânica Brasil. Ali já bebia antes do café da manhã, entre as manhãs, meio dia, noite. Delirava se faltava bebida”, relata Renato. A mulher Elisabete agüentou tudo e conseguiu levá-lo a tratamento. “Foi muito joelho no chão, muita oração”, elogia.

Graças à família, e ao irmão que trabalhava na Schulz, Renato chegou até o Grupo de Sentimentos, ação da Igreja Luterana que apóia a luta contra a dependência alcoólica. Esperou 20 dias para conseguir a internação em uma clínica em Campo Largo (PR), para onde foi em situação crítica. “Tinha crises duríssimas de abstinência. Passei quase 40 dias lá, voltei dia 28 de dezembro de 1990 para casa. Nunca mais bebi. Até hoje nem remédio que contém álcool eu não uso”, comenta. Parou de fumar a 13 anos, e há 15 fundou o escritório Eficonta que funciona junto a sua casa, comandado pelas filhas.

Católico praticante – é Ministro da Eucaristia e coordenador do Conselho Pastoral Paroquial (CPP) da Paróquia Santo Antonio, bairro do mesmo nome – Renato coordena reuniões do Grupo de Sentimentos na igreja luterana Cristo Bom Pastor, no bairro Anita Garibaldi, todas as quartas e quintas-feiras à noite. Vencedor, ele ensina que a família é fundamental para a recuperação. “Sair disso é difícil demais. A sociedade é preconceituosa, e não entende que o alcoolismo é doença. Não fui ao fundo do poço porque minha família me apoiou, e foi responsável por 99% da minha recuperação. Devo tudo a elas”, diz emocionado. Ele tem dois netos e uma neta.

Para Renato, é preciso combater a doença na prevenção desde a escola, e jamais deixar as coisas no anonimato. “Há incentivo para beber, e depois te deixam no lixo, sem tratamento. É preciso apoio para salvar mais pessoas”, finaliza.

* publicado na seção perfil do Jornal Notícias do Dia em maio de 2011

Minha crônica sobre meu irmão – “Júnior vive”

Júnior queria viver. Mas desde que nasceu já sentiu as dores do mundo. No parto, quase morreu. Sem oxigênio para o cérebro por alguns minutos em complicações no parto,ele ficou com sequelas. Assim como quem não sabe nadar e cai num rio profundo, prestes a se afogar, essa criança lutou. E emergiu, respirando fundo, com toda a força que a divina providência havia lhe concedido. A vida era seu prêmio.

Ele foi o último a chegar à casa de madeira na rua João Pinheiro. Seus cinco irmãos, quatro homens, seu pai e sua mãe o receberam com alegria. Quando nasceu Júnior, o céu estava cinza. E por muitos anos esse céu permaneceu sobre sua cabeça. Cabeça que ficou meio assim, falhando. Os anos foram passando, assim como passam carros nas rodovias. Rápido, muito rápido. Com seus dentes saltados, o menino transbordava simpatia, amizade. Seu sorriso e alegria eram permanentes. Porém aquela falta de oxigênio deixou marcas, freios que seguravam o avanço, a sua capacidade de aprender.

Em casa, os irmãos não entendiam a diferença. Tinham vergonha. Afastavam-se, e mesmo não saiam a seu lado. Júnior sentia agora outras das dores do mundo, o preconceito. Por vezes sua cabeça doía. As paredes eram duras demais, as convulsões, duras demais. A escola particular não o quis. Os outros alunos, e seus pais, não gostaram de ver aquele menino diferente entre os seus. No máximo uma formatura de pré. Com seu canudo de formado, partiu em busca de um lugar que o recebesse. Com carinho, como ele merecia.

Com sua mãe guerreira, que sofria ao lado de Júnior as dores do esquecimento, do afastamento, do preconceito, ele foi lutar. Uma escola pública com nome de mulher o acolheu. O menino cresceu e chegou até a quarta série. Mas tinha sido difícil aprender! E lá foi ele conversar com uma nova amiga. Com bonecos, massas e lápis de cor, ele contava o que sentia a Talita. E avançou mais um pouco. Foram anos conversando, e ao mesmo tempo compreendendo que era possível aprender algo. Ser útil, se sentir útil.

E assim, fazendo amigos, Júnior foi crescendo, Passava alegria, descontração, carinho, amizade e lealdade a cada um que conhecia. Quando não engolia alguém, não dava conversa. Sua mãe enviuvou, e mais ainda ele a cuidou. Viviam os dois na casa de madeira da rua Ibirapuera, que já tinha 40 anos. Herança do pai. Só saía para sua terapia, para o futebol e dançar. Em cada um que conheceu deixou sua marca. Indelével, inesquecível. Passando três décadas da sua chegada ao mundo, pela última vez as dores do mundo voltaram a lhe encontrar.

Por seis meses ele sofreu com a fraqueza do seu coração. Suas pernas incharam. Seu tronco quase secou. Hospital, exames, casa, hospital. Curtiu ainda mais uma aniversário dele, dos sobrinhos Lucas e Gabriel, e quando daria mais um parabéns a Joinville, sua força expirou. Em seu velório, as flores chegavam aos montes. Amigos de toda a parte, de todos os credos de todas as deficiências, de todas as idades, foram lhe dar um último adeus. Júnior queria viver. E graças a Deus, ele continua vivo na memória de cada um em quem tocou com seu exemplo, seu carinho e perseverança na busca pelo respeito, reconhecimento e contra o preconceito.

* Publicado no jornal A Notícia em 26 de março de 2008 para homenagear meu irmão querido que deixou uma marca inesquecível de amizade, companheirismo e solidariedade.