Quem vê aquele homem baixo atrás da mesa cheia de papéis, usando óculos e bigode e falando rápido, não imagina a história que tem prá contar. Renato Caetano da Silva, 54 anos, casado e sócio das duas filhas em um escritório de contabilidade, foi escravo do álcool por uma década. Ao servir café à reportagem, ele comentou sorrindo: “Se fosse há alguns anos, a xícara chegava vazia”, fazendo referencia aos tempos em que a bebida era sua companheira ativa desde cedo até a madrugada. Na parede da sua sala um quadro com um frase diz muito – “Deus não escolhe as pessoas capacitadas, mas capacita as escolhidas”.
Filho de um trabalhador braçal e de uma dona de casa, nascido no Itaum, Renato viveu na região até 1976, quando casou com Elisabete, sua companheira inseparável e personagem fundamental na sua recuperação. Começou cedo a trabalhar vendendo laranjas e verduras em uma mercearia no bairro. Em seguida pegou pesado em uma fábrica de móveis. “Ajudava a carregar tábuas, levar prá serra, fazia de tudo”, conta. Ao mesmo tempo estudou na Escola Prática de Comércio Joinville, já extinta. Em seguida conseguiu emprego melhor na Lambri Stein. Fez o segundo grau no Colégio Bom Jesus.
Lá o jovem Renato aprendeu muito. “Fazia folha de pagamento, vendia, tirava notas. Até cobrança fiz”, relembra. Para não parar no tempo, fez o curso de contabilidade à distância via correio pelo Instituto Universal Brasileiro (IUB), pago pelo patrão. Daquele tempo ele conta que a folha de pagamento dos cerca de 100 funcionários era feita toda datilografada. “Os envelopes de pagamento era datilografados um a um. O dinheiro a gente pegava no banco, contava certinho e colocava nos envelopes. Pensa que trabalhão”, explica sorrindo.
Por volta de 1980 a bebida passou a tomar conta de sua vida. Lentamente começou a exagerar na cerveja, passou para os destilados. “Bebia conhaque como água”, conta. Começou a trazer bebida para casa. No trabalho nunca faltou, mas os efeitos do álcool o fizeram deixar os empregos. Bares se tornaram sua casa. A mulher e as filhas Simone e Gisleine começaram a cobrar. “Trabalhei em escritórios de contabilidade com Nelson Gruner, Luis Santana, Carlos Viertel, e quando fiquei bem ruim trabalhava na Mecânica Brasil. Ali já bebia antes do café da manhã, entre as manhãs, meio dia, noite. Delirava se faltava bebida”, relata Renato. A mulher Elisabete agüentou tudo e conseguiu levá-lo a tratamento. “Foi muito joelho no chão, muita oração”, elogia.
Graças à família, e ao irmão que trabalhava na Schulz, Renato chegou até o Grupo de Sentimentos, ação da Igreja Luterana que apóia a luta contra a dependência alcoólica. Esperou 20 dias para conseguir a internação em uma clínica em Campo Largo (PR), para onde foi em situação crítica. “Tinha crises duríssimas de abstinência. Passei quase 40 dias lá, voltei dia 28 de dezembro de 1990 para casa. Nunca mais bebi. Até hoje nem remédio que contém álcool eu não uso”, comenta. Parou de fumar a 13 anos, e há 15 fundou o escritório Eficonta que funciona junto a sua casa, comandado pelas filhas.
Católico praticante – é Ministro da Eucaristia e coordenador do Conselho Pastoral Paroquial (CPP) da Paróquia Santo Antonio, bairro do mesmo nome – Renato coordena reuniões do Grupo de Sentimentos na igreja luterana Cristo Bom Pastor, no bairro Anita Garibaldi, todas as quartas e quintas-feiras à noite. Vencedor, ele ensina que a família é fundamental para a recuperação. “Sair disso é difícil demais. A sociedade é preconceituosa, e não entende que o alcoolismo é doença. Não fui ao fundo do poço porque minha família me apoiou, e foi responsável por 99% da minha recuperação. Devo tudo a elas”, diz emocionado. Ele tem dois netos e uma neta.
Para Renato, é preciso combater a doença na prevenção desde a escola, e jamais deixar as coisas no anonimato. “Há incentivo para beber, e depois te deixam no lixo, sem tratamento. É preciso apoio para salvar mais pessoas”, finaliza.
* publicado na seção perfil do Jornal Notícias do Dia em maio de 2011