Combate à corrupção não pode ferir o processo legal, critica o presidente da OAB

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,Marcus Vinícius Furtado Coêlho, declarou que o combate a crimes não pode enfraquecer o Estado Democrático de Direito e disse que a entidade não ficará omissa quando detectar problemas ao exercício da defesa.

Ele falou à revista Consultor Jurídico depois que procuradores da República criticaram afirmações da defesa da Odebrecht, empreiteira investigada na operação “lava jato”.

A controvérsia começou no último sábado (27/6), quando o jornal O Globopublicou entrevista com a advogada Dora Cavalcanti, uma das representantes da empresa.

Ela disse que a prisão preventiva de executivos foi decretada sem necessidade e que estuda uma denúncia “até internacional pela violação de direitos humanos” dos seus clientes.

Em resposta, os procuradores da República que atuam na “lava jato” divulgaram nota nesta segunda-feira (29/6) considerando as declarações como “uma total irresponsabilidade, senão desespero”.

Para a força-tarefa, “a insistência da Odebrecht, bem como de seus advogados, em negar a realidade, (…) e a falta da aplicação pela empresa de qualquer sanção àqueles que praticaram os crimes apenas confirma as demais evidências de que a corrupção era determinada e praticada na cúpula da empresa”.

Ainda segundo a nota (leia a íntegra abaixo), a advogada sugere que “estão mancomunados” procuradores, delegados da Polícia Federal, o juiz federal Sergio Fernando Moro e integrantes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Já o presidente da OAB afirma repudiar “manifestações que soam como intimidações ou tentativas de se impedir que advogados usem as ferramentas que estão a seu dispor para a defesa de seus clientes”.

Coêlho considera “inadmissível” a tentativa de “uma suposta situação de conflito entre advogados e ministros de tribunais superiores”.

Leia a entrevista:

ConJur – O MPF criticou a advogada da Odebrecht por ter manifestado interesse de recorrer em tribunais internacionais contra a prisão de seus clientes. Como o senhor avalia a nota?

Marcus Vinícius — Numa democracia, a defesa tem não só o direito, mas o dever de usar todos os dispositivos legais que estiverem ao seu alcance quanto atua a favor de seus assistidos. Por isso, a OAB repudia manifestações que soam como intimidações ou tentativas de se impedir que advogados usem as ferramentas que estão a seu dispor para a defesa de seus clientes.

A defesa e a acusação são igualmente importantes para um processo justo. Ambas devem se respeitar. Não se pode admitir a aparente tentativa de tutelar a defesa nem usar uma lógica distorcida para tentar criar uma suposta situação de conflito entre advogados e ministros de tribunais superiores, algo inadmissível numa democracia que tem e deve ter o devido processo legal como regra.

ConJur — O senhor considera que a defesa está sendo desrespeitada no andamento da “lava jato”?

Marcus Vinícius — Aguardamos as seccionais de São Paulo e do Paraná para definir providências. Não ficaremos omissos nesta situação.  A OAB-SP já se manifestou contra o uso de documentos apreendidos em local de trabalho de advogado [quando foram apreendidos materiais de diretores que são formados em Direito].

A OAB do Paraná está avaliando sobre a legalidade de quebra do sigilo de correspondência entre o cliente preso e seu advogado. O Conselho Federal da OAB criou há dois anos a procuradoria nacional de prerrogativas, que já atuou em mais de 5 mil casos no Brasil. A OAB não vai aceitar que os advogados sejam diminuídos no exercício de seu mister, seja qual caso for.

ConJur — Garantir o exercício da defesa pelos advogados não impede as investigações sobre corrupção da operação “lava jato”?

Marcus Vinícius — O Brasil não começou e nem vai acabar na “lava jato”. Não podemos permitir que o Estado Democrático de Direito e o devido processo legal sejam enfraquecidos devido a uma investigação, por maior que ela e seus impactos possam ser.

Para garantir dias melhores, é preciso se combater a corrupção de forma ininterrupta, respeitando-se a Constituição e contando com uma acusação fundamentada, defesa altiva e julgamento justo e imparcial.

Leia a íntegra da nota divulgada pelo MPF:

Os procuradores da República que atuam na força-tarefa “lava jato” vêm manifestar seu total apoio ao juiz federal Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, em face da entrevista de Dora Cavalcanti, publicada ontem, 27 de junho, no jornal O Globo, intitulada “Advogada da Odebrecht estuda denunciar juiz da Lava-Jato por ‘violação aos direitos humanos’”.

A entrevistada parece desconhecer que o sistema judicial brasileiro prevê vários recursos e diversas instâncias recursais, tendo os investigados inúmeras possibilidades de obter a revisão das decisões tomadas pelo Juízo Federal, não sendo razoável, muito menos respeitoso ao sistema republicano, que sejam lançadas, por meio de notas ou entrevistas como aquelas recentes, acusações vagas, desrespeitosas e infundadas à atuação do juiz federal Sérgio Moro.

A afirmativa de que pretende recorrer a uma Corte Internacional para a garantia do direito de seus clientes sugere, fortemente, que os dez Delegados, os nove Procuradores, o Juiz Federal, a Corte de primeira instância, os Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e os Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal estão mancomunados para violar direitos humanos dos seus clientes, o que é de uma total irresponsabilidade, senão desespero. Essa abordagem conspiratória, já refletida em entrevista anterior, negligencia a independência, maturidade e imparcialidade de nossas Cortes, refletindo estratégia que procura reverter, no campo midiático, as inegáveis evidências em desfavor da cúpula da empresa.

Em uma república, não se deve pretender que a justiça seja cega para os crimes praticados por ricos e poderosos, mas sim cega na diferenciação entre ricos e pobres, pessoas com ou sem influência, fatores que em nada devem afetar o resultado dos processos.

Sua abordagem superficial e interessada deixa de considerar a farta prova material dos crimes praticados por seus clientes. Foram, a título de exemplo, apreendidas planilhas com divisão das obras por empresa, nas quais constava a empresa Odebrecht como parte do “clube” de empreiteiras cartelizadas. Dezenas de milhões de dólares pagos por empresas no exterior aos funcionários da Petrobras foram bloqueadas e devolvidas.  Tal é a robustez das provas que várias das empresas não colaboradoras já reconhecem boa parte dos crimes praticados.

A insistência da Odebrecht, bem como de seus advogados, em negar a realidade, a ausência de apuração dos fatos na empresa e a falta da aplicação pela empresa de qualquer sanção àqueles que praticaram os crimes apenas confirma as demais evidências de que a corrupção era determinada e praticada na cúpula da empresa. Não se trata de prejulgar mérito ou investigados, mas de repetir juízo sobre as provas já feito, em caráter provisório, em processo público, em pedidos de medidas cautelares.

Por sua vez, ao contrário do que sugere a advogada, os acordos de colaboração premiada são de responsabilidade do Ministério Público Federal, não do juiz. O número de colaborações no presente caso decorre de vários fatores, sobretudo da robustez das provas em relação aos investigados, da experiência prévia dos procuradores com essa técnica de investigação e estratégia de defesa, desenvolvida no caso Banestado; mas principalmente do interesse público envolvido em seu emprego, dadas as peculiaridades do crime de corrupção e a sofisticação das técnicas de lavagem empregadas. O argumento de que prisões foram usadas para obter colaborações não tem qualquer base na realidade, pois mais de dois terços das colaborações foram feitas com réus soltos, fato que a advogada que atua no feito não deve desconhecer.

Cabe às partes, seja no curso do processo penal ou da investigação criminal, quando insatisfeita com alguma decisão, valer-se dos meios processuais adequados e, no caso da defesa, dos inúmeros recursos previstos. Embora todos tenham o direito de expressar sua opinião sobre decisões, não cabe buscar, por meio de acusações absolutamente infundadas na imprensa, e afirmação irresponsável e desconectada da realidade sobre suposto sentimento do juiz, tolher a liberdade da Justiça, que tem o dever de fazer cumprir a lei e a Constituição, com pleno respeito aos direitos e às garantias do cidadão.

Com informações da revista eletrônica Conjur