“Casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”, diz o ditado. Se dependesse do velho padeiro Affonso Wagner, 76 anos, e 63 deles na profissão, ninguém brigaria. Joinvilense nascido em Pirabeiraba na Estrada Mildau, seu Wagner – como é conhecido pela clientela – esbanja saúde, alegria e histórias que se desprendem de sua memória privilegiada. “Se eu for contar tudo não cabe em dois dicionários!”, orgulha-se. Em casa ajudava os pais a produzir musse e melado, mas logo aos 13 anos encontrou sua profissão trabalhando com o irmão mais velho, Alfredo Wagner, na Padaria Popular que ficava na rua Dona Francisca, hoje esquina com rua Dionísio Cerqueira no Saguaçú.
“Acho que sou o padeiro mais velho da cidade”, conta entre risadas, sentado em uma mesa entre vários clientes na atual Panificadora Wagner tocada pelo filho mais velho, Rubens, em sociedade com o outro filho, Nilson, que trabalha na Embraco. Lembra com saudade do irmão Alfredo, com quem saia de charrete cheia de pães e cucas para vender de casa em casa e até na rua das Palmeiras, cartão postal de Joinville. “No centenário da cidade eu ia ao centro vender. A festa durou oito dias”, relembra Wagner. O tempo ao lado do irmão foi interrompido pelo interesse em aprender mais a profissão, e lá se foi o jovem padeiro para São Paulo por volta de 1954.
Na capital paulista ele pôde aprender muito com profissionais gregos, italianos, espanhóis e portugueses. Quando o possível, vinha à cidade para visitar os pais e ver seu amor, dona Hertha, com quem é casado há 49 anos. “Trocamos 237 cartas de amor, via áerea naqueles envelopes amarelo e verde”, relata com brilho nos olhos. Retornou de Sao Paulo em 1961 após trabalhar em grandes padarias da época, entre elas a Pão Quente e Pão D’Oro. “A gente desmanchava 100 sacas de 50 quilos de trigo por dia fazendo pão francês, bengala e bengalão”, ressalta seu Wagner. O pão durismo português ele viveu de perto com o amigo Manuel. “O homem trabalhava de noite como vigia, e de dia fazia bico na padaria. Economizava em tudo, até no almoço, onde só comia um baguete com 200 gramas de mortadela e um guaraná”, conta.
Alto e forte, Wagner diz e mostra em fotos em preto e branco como era magro de tanto trabalhar, recordando das dificuldades da sua época. “Eu saía do Mildau para ir ao centro a pé, cerca de 30 quilômetros ida e volta para fazer bico na Brunkow (padaria) nos domingos. Não tinha tênis, plástico. Era pé no chão mesmo. O pão a gente fazia no cilindro, assava no lastro. O pão ficava mais gostoso”. O filho Rubens andava a seu lado desde pequeno. “Estudava de manhã e a tarde saía com o pai para entregar pães pelos bairros”, comenta, e desde 2001 administra a empresa com nova razão social após seu Wagner parar. “Somos a continuação dessa história”, confirma ele. Seu Wagner abriu a sua padaria com o nome de Panificadora Beira Rio na rua Capinzal em 1975, junto a sua casa de apenas 40 metros quadrados, mais tarde ampliada até introduzir a mercearia. Em 1994 comprou o terreno na dona Francisca, e em 1999 construiu o prédio atual.
Como padeiro teve a carteira assinada por 30 anos. Empreendedor junto com Hertha – “a receita de cuca era dela” – conseguiu formar os filhos, que lhe deram três netos, e ser feliz fazendo aquilo que gosta. Sim, gosta, porque ainda hoje ele está na ativa na panificadora que leva o seu nome localizada na rua dona Francisca, 1978 desde as seis da manhã de segunda a sábado. “Não sei o que é férias. Trabalhei sempre mais de 15 horas, fazendo pão e assando no lastro. Entreguei pão por toda Joinville, e acho que conheço mais a cidade que o Prefeito. Não consigo ficar longe disso, de ver as coisas acontecer. Quase fiquei doente quando parei, venho aqui todo dia”, finaliza seu Wagner, admirado pelos funcionários e fregueses que lhe cumprimentaram durante toda a entrevista.
* Publicado na seção Perfil do Jornal Notícias do Dia de Joinville (SC) em junho de 2011.