Segundo turno na França: quem pode tirar voto de quem?

Tão importante, no segundo turno francês (06 de maio), quanto saber quem pode dar voto a quem, é saber quem pode tirar de quem. Nesses termos, Hollande parece estar numa posição melhor do que a de Sarkozy.

O candidato socialista tirou votos do candidato mais à esquerda, Jean-Luc Mélenchon, na reta final. Uma parte dos que potencialmente votariam neste, no primeiro turno, preferiram votar direto em Hollande, para impulsionar desde já seu favoritismo no segundo. Criou-se um ambiente favorável ao “voto útil” desde já. A estratégia teve sucesso: Sarkozy tinha, como objetivo na reta final, chegar na frente (“mesmo que fosse por um fio de cabelo”, dizia ele) no primeiro turno para dar força à perspectiva de uma reviravolta na rodada final.

Não conseguiu. Aposta agora em debater até o esgotamento com Hollande até o 6 de maio, pondo suas fichas em seu desempenho espetaculoso diante do mais comedido de Hollande. Há um duplo sentido nisso: de um lado, Sarkozy quer sobressair; do outro, marcaria pontos se conseguisse enfurecer Hollande, fazendo-o sair do sério e cometer deslizes.

Outro ponto a favor de Hollande é o imediato apoio que recebeu de Mélenchon, sem pré-requisitos. Isso vai arrastar para sua votação a esmagadora maioria dos 11% que o candidato das esquerdas recebeu. Um efeito colateral desse movimento seria a contrapartida de projetar Mélenchon como um vetor decisivo no segundo turno, caso a vitória de Hollande se confirme. A esquerda sairia das cinzas (ou das traças) a que está jogada nesta erupção vulcânica da crise financeira européia.

Já do lado de Sarkozy as perspectivas são mais complicadas. Em primeiro lugar porque o maior fator a roubar votos de Sarkozy foi o próprio Sarkozy. Votos que potencialmente seriam seus se dispersaram, uma parte em direção a Le Pen, outra em direção a Bayrou e até mesmo em direção a Hollande, como testemunha o fato de que Jacques Chirac, o ex-presidente conservador, preferiu apoiar o socialista.

Sarkozy se deu mal num país que já teve como presidentes os carismáticos De Gaulle, à direita, e Mitterand, à esquerda. Faltou-lhe manter o “aplomb”, ou seja, o decoro da presidência. Suas incontinências iniciais, comemorando demasiadamente sua vitória anterior com um corte de “mais ricos”, foram-lhe tão fatais, quanto sua falta de coerência final, sassaricando em várias direções, indo desde tornar-se o parceiro menor da dupla Merkozy (coisa difícil para a direita francesa engolir) até rejeitar o apoio da chanceler alemã e entregar-se a arroubos nacionalistas de última hora.

Sarkozy terá de continuar sendo o boneco de molas que foi no primeiro turno, pressionado por ter de captar votos mais ao centro (eleitores de François Bayrou e seu Movimento Democrático – 9%) e mais à direita, os de Marine Le Pen, cujos 18% se dividem entre a direita tradicional, burguesa ou pequeno-burguesa, e um cortejo de neo-desempregados, jovens ou não, devido à crise. Prova disso é que Le Pen saiu-se melhor no nordeste da França, região em processo de desindustrialização, onde tirou o segundo lugar. Também na Bretanha ela saiu-se bem, como na região do Gard, “pays d’oc”, junto ao Mediterrâneo, onde chegou em 1º. Tradicionalmente, nessa região, os socialistas predominavam nas votações. Esses votos podem retornar à casa de onde, eventualmente, saíram.

Pode ser que Le Pen venha a apoiar Sarkozy. Mas num primeiro momento, pelo menos, os 18% que obteve subiram-lhe à cabeça, e por suas declarações iniciais ela parecia mais disposta a disputar a liderança do conservadorismo francês com Sarkozy do que fazer uma união ideológica com este contra a esquerda. Ou seja, sua votação expressiva pode continuar roubando votos de Sarkozy.

Enquanto isso, a Bolsa de Valores de Paris amanheceu na segunda em queda. Paradoxalmente, isso é bom, num primeiro momento, para Hollande, pois é um sinal de que os tão temidos “Mercados” estão de fato temendo a vitória do socialista e sua promessa de rever os acordos fiscais e de austeridade da Zona do Euro. Do outro lado do Reno, Angela Merkel tem, de fato, razões para se preocupar.

Por Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.