Vitória dos socialistas na França é total

Socialistas têm vitória total no segundo turno das legislativas e líder da extrema-direita é derrotada. A mensagem dos franceses, no segundo turno das legislativas, reforça a recente eleição do presidente socialista François Hollande com uma maioria absoluta no Parlamento e deixa claro uma oposição à política de austeridade defendida pela alemã Angela Merkel na União Européia.

Mas tal vitória, maior daquela obtida em 1981 por Mitterrand, significa, como acentuou a própria dirigente do Partido Socialista, Martine Aubry, o dever de ter sucesso na aplicação do seu programa, visto com desconfiança pela direita européia, maioria hoje nos países componentes da União Européia.

Ao contrário da tendência atual de se evitar a crise se apoiando os bancos à beira da falência, forçando-se o povo a participar das economias nacionais exigidas pelo plano de austeridade ditado pela chanceler alemã, a política econômica do presidente socialista Hollande será a de relançar o crescimento através de uma política social favorável à criação de empregos e taxação dos ricos e das grandes fortunas.

Paralelamente, o governo socialista francês dará um destaque especial à educação, desde as escolas primárias, com contratação de mais professores para diminuir o contingente de alunos por sala de aula, enquanto orientadores sociais atuarão nas escolas situadas nas regiões ditas inseguras para os professores. François Hollande acentuou em diversas oportunidades sua preocupação com a juventude francesa que inclui os filhos da imigração.

Pela primeira vez, a extrema-direita conseguiu eleger dois deputados (o que não constitui nenhuma grande vitória num Parlamento de 577 cadeiras), porém a lider Marine Le Pen do partido Frente Nacional, filha do neonazi e antisemita Jean-Marie Le Pen, foi derrotada por um candidato socialista. A família Le Pen conseguiu eleger uma neta do patriarca extremista, uma jovem estudante de 22 anos, chamada pelos socialistas de Marion-Nette, por ser utilizada como marionete pela Frente Nacional.

A ex-candidata socialista à presidência, em 2007, Ségolène Royal foi derrotada na região de La Rochelle. É praxe, entre os socialistas e mesmo entre outros partidos que, no caso de concorrerem dois candidatos do mesmo partido pela mesma região, o menos votado se retire em favor do mais votado.

Entretanto, no caso de Ségolène, o outro candidato socialista dissidente não se retirou e aceitou o apoio a ele dado pelo candidato de direita eliminado no primeiro turno. Ségolène fala em traição e, eliminada da política nacional, só dispõe agora de um posto político regional.

O mesmo provável ostracismo ocorreu com o lider do Modem, partido do centro, François Bayrou, derrotado por uma candidata socialista. No sistema francês de eleições legislativas, o país foi dividido em circunscrições eleitorais, em cada uma delas cada partido tem um candidato e só se elege, geralmente em segundo turno, quem obtem mais de 50% dos votos da circunscrição.

O líder da Frente Unida de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, derrotado no primeiro turno, fez, a seguir, campanha pelo candidato socialista que se opunha à líder deextrema-direita Marine Le Pen. Graças à sua intervenção e à união das esquerdas locais, Marine Le Pen foi derrotada pela iferença de 118 votos.

Do Correio do Brasil

Hollande toma posse na França e promete conter crise

Apenas 11 dias depois de eleito, o novo presidente da França, François Hollande, de 57 anos, tomou posse na manhã de hoje (15). Seguindo seu estilo sóbrio, a cerimônia foi simples e sem pompas, apesar dos 400 convidados. Em seu primeiro discurso no cargo, ele defendeu a busca pela redução da crise econômica internacional por meio do estímulo da economia e da geração de emprego. Disse que promoverá um governo justo, impedindo a discriminação aos imigrantes.

Hollande foi recebido na porta do Palácio do Eliseu (cujo nome em francês é Champs-Élysée) pelo antecessor Nicolas Sarkozy. Ambos se cumprimentaram com apertos de mão e sorrisos e se reuniram por cerca de 30 minutos no escritório presidencial, antes da solenidade de posse.

Uma multidão aguardava os dois na porta do palácio. Nos arredores do prédio, foram expostos cartazes e faixas com apelos a Hollande. Nos apelos, as pessoas pedem providências para controlar a crise e promover um governo igualitário. Também há elogios e desejos de sorte no cargo.

A expectativa é que Hollande anuncie o nome do seu primeiro-ministro antes de viajar para Berlim, onde se reúne com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. O nome apontado como o mais provável para o cargo é o do deputado socialista Jean-Marc Ayrault. O presidente da Autoridade dos Mercados Financeiros (AMF), Jean-Pierre Jouyet, amigo do presidente eleito, confirmou Ayrault.

O restante da equipe de Hollande deve ser conhecido no dia 16, depois de ele concluir parte da agenda internacional. As especulações em torno dos escolhidos vão desde ambientalistas até colaboradores de campanha.

Em meio às escolhas dos ministérios, Hollande organizou uma intensa agenda internacional. Ele pretende viajar ainda hoje para Berlim, para uma reunião com a chanceler Angela Merkel, com quem deve conversar sobre as propostas para conter os efeitos da cris econômica internacional. Depois, no dia 17, vai para os Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, Hollande participa das cúpulas do G8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia), prevista para os dias 18 e 19, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – sobre a retirada das tropas do Afeganistão até o fim de 2014.

Eleito no dia 6 de maio com 51,6% dos votos, Hollande tornou-se o sétimo presidente e permanecerá cinco anos no cargo, podendo concorrer à reeleição. Ele é o primeiro socialista a chegar à Presidência, depois de 17 anos da direita no poder.

*Com informações da Rádio França Internacional (RFI)

Segundo turno na França: quem pode tirar voto de quem?

Tão importante, no segundo turno francês (06 de maio), quanto saber quem pode dar voto a quem, é saber quem pode tirar de quem. Nesses termos, Hollande parece estar numa posição melhor do que a de Sarkozy.

O candidato socialista tirou votos do candidato mais à esquerda, Jean-Luc Mélenchon, na reta final. Uma parte dos que potencialmente votariam neste, no primeiro turno, preferiram votar direto em Hollande, para impulsionar desde já seu favoritismo no segundo. Criou-se um ambiente favorável ao “voto útil” desde já. A estratégia teve sucesso: Sarkozy tinha, como objetivo na reta final, chegar na frente (“mesmo que fosse por um fio de cabelo”, dizia ele) no primeiro turno para dar força à perspectiva de uma reviravolta na rodada final.

Não conseguiu. Aposta agora em debater até o esgotamento com Hollande até o 6 de maio, pondo suas fichas em seu desempenho espetaculoso diante do mais comedido de Hollande. Há um duplo sentido nisso: de um lado, Sarkozy quer sobressair; do outro, marcaria pontos se conseguisse enfurecer Hollande, fazendo-o sair do sério e cometer deslizes.

Outro ponto a favor de Hollande é o imediato apoio que recebeu de Mélenchon, sem pré-requisitos. Isso vai arrastar para sua votação a esmagadora maioria dos 11% que o candidato das esquerdas recebeu. Um efeito colateral desse movimento seria a contrapartida de projetar Mélenchon como um vetor decisivo no segundo turno, caso a vitória de Hollande se confirme. A esquerda sairia das cinzas (ou das traças) a que está jogada nesta erupção vulcânica da crise financeira européia.

Já do lado de Sarkozy as perspectivas são mais complicadas. Em primeiro lugar porque o maior fator a roubar votos de Sarkozy foi o próprio Sarkozy. Votos que potencialmente seriam seus se dispersaram, uma parte em direção a Le Pen, outra em direção a Bayrou e até mesmo em direção a Hollande, como testemunha o fato de que Jacques Chirac, o ex-presidente conservador, preferiu apoiar o socialista.

Sarkozy se deu mal num país que já teve como presidentes os carismáticos De Gaulle, à direita, e Mitterand, à esquerda. Faltou-lhe manter o “aplomb”, ou seja, o decoro da presidência. Suas incontinências iniciais, comemorando demasiadamente sua vitória anterior com um corte de “mais ricos”, foram-lhe tão fatais, quanto sua falta de coerência final, sassaricando em várias direções, indo desde tornar-se o parceiro menor da dupla Merkozy (coisa difícil para a direita francesa engolir) até rejeitar o apoio da chanceler alemã e entregar-se a arroubos nacionalistas de última hora.

Sarkozy terá de continuar sendo o boneco de molas que foi no primeiro turno, pressionado por ter de captar votos mais ao centro (eleitores de François Bayrou e seu Movimento Democrático – 9%) e mais à direita, os de Marine Le Pen, cujos 18% se dividem entre a direita tradicional, burguesa ou pequeno-burguesa, e um cortejo de neo-desempregados, jovens ou não, devido à crise. Prova disso é que Le Pen saiu-se melhor no nordeste da França, região em processo de desindustrialização, onde tirou o segundo lugar. Também na Bretanha ela saiu-se bem, como na região do Gard, “pays d’oc”, junto ao Mediterrâneo, onde chegou em 1º. Tradicionalmente, nessa região, os socialistas predominavam nas votações. Esses votos podem retornar à casa de onde, eventualmente, saíram.

Pode ser que Le Pen venha a apoiar Sarkozy. Mas num primeiro momento, pelo menos, os 18% que obteve subiram-lhe à cabeça, e por suas declarações iniciais ela parecia mais disposta a disputar a liderança do conservadorismo francês com Sarkozy do que fazer uma união ideológica com este contra a esquerda. Ou seja, sua votação expressiva pode continuar roubando votos de Sarkozy.

Enquanto isso, a Bolsa de Valores de Paris amanheceu na segunda em queda. Paradoxalmente, isso é bom, num primeiro momento, para Hollande, pois é um sinal de que os tão temidos “Mercados” estão de fato temendo a vitória do socialista e sua promessa de rever os acordos fiscais e de austeridade da Zona do Euro. Do outro lado do Reno, Angela Merkel tem, de fato, razões para se preocupar.

Por Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.