Complexo de Hidrelétricas ameaça o rio Tapajós

Itaituba (PA) – Após a Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, o próximo megaprojeto de engenharia do Governo Federal na Amazônia é o Complexo Tapajós, um conjunto de cinco usinas hidrelétricas que, se concretizado, deve alterar completamente a bacia do Rio Tapajós, afetando pelo menos 1.979 quilômetros quadrados (197.200 hectares), uma área maior do que a da cidade de São Paulo. Alguns dos trechos que devem ser alagados não só concentram populações ribeirinhas e indígenas como também são ricos em biodiversidade e belezas naturais. O impacto estimado é o que vem sendo divulgado pelas Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), empresa de capital aberto controlada pelo Governo que está à frente do projeto. Mas pode ser maior, considerando o delicado equilíbrio de cheias nos regimes de seca e chuva que predominam na região norte do Brasil.

Trecho do Rio Tapajós que deve ser alagado. Fotos: Marcelo Assumpção /Cicloamazônia

Repórter Brasil* percorreu de ponta a ponta o Parque Nacional da Amazônia, unidade de conservação que pode afundar se os planos do governo forem levados adiante, navegou por trechos em que o Rio Tapajós deve ser alterado e visitou os municípios de Jacareacanga, Itaituba e Santarém, onde moradores locais têm manifestado receio em relação às mudanças em curso. A principal usina prevista no complexo é a de São Luiz do Tapajós, barragem planejada entre os municípios de Jacareacanga e Itaituba, que por si só, deve alagar 722,25 quilômetros quadrados. É mais do que os 510 quilômetros quadrados de área alagada pela Usina de Belo Monte. Se concluída, São Luiz doTapajós terá capacidade, segundo a Eletrobrás, de gerar 6.133 megawatts (MW), tornando-se a quarta principal usina do país, atrás apenas de Itaipu, Belo Monte e Tucuruí.


Biodiversidade no Parque Nacional da Amazônia

Perto da base escolhida para a instalação da barragem, existe um fluxo constante de pescadores, ribeirinhos e famílias inteiras de índios Mundurukus subindo e descendo o rio em barcos de rabeta, de motor de popa e em rápidas voadeiras, muitos protegidos do sol forte com sombrinhas e chapéu de palha. A água do Tapajós é transparente, bastante diferente do marrom barroso da maioria dos rios da Amazônia, e sua cor varia entre verde claro e azul. É possível ver os peixes de longe e as garças voam atentas, arriscando mergulhos de tempos em tempos. Nas margens, além de faixas continuas de floresta preservada, é possível avistar centenas de praias de areia clara fininha, intercaladas por pequenas aldeias e vilarejos espalhados. Dá para ouvir gritos de animais e cantos de pássaros constantemente.

Dentro do Parque Nacional da Amazônia, é fácil ver macacos, antas, cotias e onças no trecho em que é cortado pela Rodovia Transamazônica, a BR-230. A própria estrada pode ficar embaixo d´água se os planos do governo forem seguidos. Nos igarapés que cortam a mata, é possível avistar jacarés. O impacto estimado da usina seria tamanho que, em julho, a chefe da unidade administrada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), fez críticas públicas ao projeto em entrevista ao jornal Valor, lembrando que foram catalogadas na região centenas de espécies de aves, peixes e animais em extinção.


Borboletas no trecho da Transamazônica que deve ficar debaixo d´água

Mobilização
Não só nas áreas que devem ser alagadas o clima é de preocupação. Em diversos outros pontos do rio é fácil encontrar ribeirinhos inquietos. “Nós estamos abaixo de onde deve ser a barragem, mas se o rio secar, se o regime de cheias for alterado, também seremos prejudicados”, avalia Pedro da Gama Pantoja, de 61 anos que há 37 vive com a esposa Conceição na comunidade de Jamaraqua, dentro da Floresta Nacional Tapajós.


Pedro e Conceição, ribeirinhos
que vivem em reserva dentro
da Floresta Nacional Tapajós

Trata-se de uma reserva composta por mata preservada e vilas de ribeirinhos, localizada entre o futuro canteiro de obras e a comunidade de Alter do Chão, destino turístico que atrai milhares de pessoas todos os anos. “Vivemos da pesca, do turismo e do extrativismo. Se alterarem o regime de cheias, como vão ficar as praias? E os peixes? Não queremos esta usina”.

“Não vamos ficar quietos, não vamos aceitar que as usinas sejam impostas como Belo Monte foi”, avisa o padre Edilberto Moura Sena, coordenador da Rádio Rural, emissora que transmite informações para toda a região. A partir de Santarém, ele mantém contatos regulares com representantes das comunidades afetadas ao longo de todo o rio e integra o Movimento Tapajós Vivo, um dos principais espaços de resistência ao complexo. “Os Munduruku são um povo guerreiro e não vão aceitar ‘espelhinhos’ em troca das terras em que sempre viveram”.

Recentemente, representantes da Aldeia Munduruku Sauré impediram que técnicos das empresas realizassem estudos nas suas terras. O episódio fez com que a Fundação Nacional do Índio (Funai) marcasse uma reunião e, no último dia 17, tentasse intermediar a questão. Frente à recusa dos indígenas de colaborar sem mais informações sobre os projetos, a representante da Funai Martha Medeiros teria ameaçado acionar a Força Nacional, segundo informou Mel Mendes, integrante do Movimento Tapajós Vivo, em entrevista à Rádio Rural. Ela esteve presente no encontro.

Além do Movimento Tapajós Vivo, outras frentes de resistência se formam. Em 20 e 21 de outubro, representantes de diferentes vilarejos da região se reuniram na Comunidade Pimentel com apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da organização não-governamental Terra de Direitos para debater os impactos do complexo.


Alter do Chão, um dos principais destinos turísticos do Norte, também pode ser afetado

Na Justiça
Mesmo com as críticas e alertas de ambientalistas, o trabalho de licenciamento da Usina São Luiz doTapajós já começou. O Governo Federal pretende realizar o leilão para a construção em 2013, mas, para isso, precisa que todos os estudos sobre impactos socioambientais estejam concluídos. Para viabilizar o complexo, o Planalto conseguiu aprovar Medida Provisória 558/2012, que altera o limite de oito unidades de conservação que seriam afetadas pelo projeto. A iniciativa foi questionada pelo Ministério Público Federal em Brasília, que impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)


Jamaraqua, uma das praias do Tapajós

Não é a única confusão jurídica em curso. Como indígenas e ribeirinhos que serão afetados pela obra não foram informados e consultados, o Ministério Público Federal entrou com uma Ação Civil Pública em 25 de setembro pedindo liminar para que o processo de licenciamento seja imediatamente interrompido. Leia a íntegra da ação.

Juntas, as cinco usinas poderiam gerar 10.682 MW; o potencial energético do conjunto e a necessidade de garantir abastecimento na próxima década são os principais argumentos do Governo Federal. Por enquanto, apenas a Usina São Luiz do Tapajós e Jatobá constam entre osprojetos do Plano de Aceleração de Crescimento. A primeira tem custo previsto de mais de R$ 18,1 bilhões, dos quais R$ 3,6 bilhões a serem gastos entre 2011 e 2014. A segunda, de R$ 5,1 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão a ser gasto entre 2011 e 2014.


Rio Tapajós é cercado por milhares de quilômetros de mata preservada

Para minimizar os impactos ambiental e social das obras as empreiteiras prometem organizar canteiros-plataformas, com empregados se revezando no local, tal qual em plataformas de petróleo em alto mar, sem a constituição de núcleos urbanos. O diretor de engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal, chegou a falar em usinas “sustentáveis” ao defender o projeto este ano durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.

* Esta reportagem é parte da Expedição Cicloamazônia, projeto de Daniel Santini, Marcelo Assumpção e Valdinei Calvento, apoiado pela Repórter Brasil. Saiba mais em cicloamazônia.org.

Dilma faz nove vetos ao Código Florestal

A presidenta Dilma Rousseff decidiu vetar nove itens do Código Florestal aprovado pelo Congresso Nacional em setembro. O principal veto retira do texto a flexibilização que os parlamentares queriam para a recuperação de áreas de preservação permanente (APPs) nas margens de rios.

O governo vai devolver à lei, via decreto que será publicado amanhã (17), a chamada regra da “escadinha”, que prevê obrigações de recuperação maiores para grandes proprietários rurais. A  “escadinha” determina que os produtores rurais terão que recompor entre 5 e 100 metros de vegetação nativa das APPs nas margens dos rios, dependendo do tamanho da propriedade e da largura dos rios que cortam os imóveis rurais. Quanto maior a propriedade, maiores as obrigações de recomposição. A presidenta excluiu do texto o trecho incluído pelos parlamentares que permitiria a recuperação de 5 metros de APP em tornos de rios intermitentes de até 2 metros de largura para qualquer tamanho de propriedade.

“Os vetos foram fundamentados naquilo que era o principio da edição da medida provisória, que significa não anistiar, não estimular desmatamentos ilegais e assegurar a justiça social, a inclusão social no campo em torno dos direitos dos pequenos agricultores”, explicou a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que apresentou os vetos hoje (17) junto com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

Também foi vetada a possibilidade de recomposição de APPs com monocultura de espécies frutíferas exóticas, como laranja e maçã. “Não teremos áreas de pomar permanente, como diziam alguns”.

O decreto que será publicado amanhã (18), no Diário Oficial da União, também trará a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que suprirão os possíveis vácuos na lei deixados pelos vetos.

Segundo Izabella, mais instrumentos normativos serão necessários para regulamentar outros pontos do texto, que poderão ser decretos ou atos ministeriais. “Outros atos, não necessariamente decretos, serão necessários para regulamentação do código”. Izabella disse que os vetos foram pontuais, apenas para recuperar os princípios que estavam na proposta original do governo.

Da Ag. Brasil

Código Florestal: Movimentos Sociais pedem veto de Dilma à MP

Após a Câmara e o Senado aprovarem a Medida Provisória que altera o Código Florestal (MP 571/12) em setembro, movimentos sociais pedem novamente o veto da presidenta Dilma Rousseff. Em carta encaminhada à Presidência na última terça-feira (9), organizações populares e sindicais afirmam que “da forma como está, o texto protege os latifundiários grileiros e especuladores, que nada produzem sobre a terra”.

No documento, as entidades taxam de “afronta à democracia” a “tentativa do agronegócio de destruir o Código Florestal”. Os movimentos sociais avaliam como única saída o veto da presidenta aos “pontos que privilegiam o agronegócio, em detrimento da sustentabilidade ambiental e da produção, da agricultura familiar e camponesa”.

Assinam a carta a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros.

O Projeto de Lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional em abril teve 12 itens vetados e 32 alterações feitas pelo governo, no mês de maio, por considerar que eles promoviam o desmatamento. Porém, na volta ao Congresso, o texto foi alterado pela bancada ruralista para que retornassem os benefícios aos desmatadores ilegais. Agora, falta apenas a sanção da presidenta Dilma.

 

Leia a carta na íntegra:

 

À Excelentíssima Presidenta do Brasil

Senhora Dilma Vana Rousseff

 

Há três anos a sociedade brasileira vivencia uma das maiores afrontas às conquistas democráticas de nosso país: a tentativa do agronegócio de destruir o Código Florestal, para avançar com seu projeto ambicioso, que visa apenas lucros, promove o desmatamento e intoxica a natureza e os que nela vivem.

Tendo sob seu domínio a grande maioria do Congresso Nacional, por meio da poderosa bancada ruralista, o agronegócio transformou a legislação ambiental em legislação agrícola, voltada para garantir interesses próprios e de grandes proprietários de terra.

A sociedade brasileira, organizada ou não, se manifestou incansavelmente contra os avanços do agronegócio sobre a natureza. Os movimentos sociais do campo e da cidade, a classe artística e parte significativa da classe política também se manifestaram contrariamente às pautas destrutivas do agronegócio, ao mesmo tempo em que defenderam o tratamento diferenciado para a agricultura familiar e camponesa. São os pequenos produtores que alimentam as famílias brasileiras e os que mais preservam o meio ambiente.

Após uma grande mobilização da sociedade brasileira, sensibilizada e ciente da necessidade de tomar decisões firmes, a excelentíssima Presidenta corretamente realizou vetos ao texto ruralista construído no Congresso. Para preencher o lugar dos artigos vetados, que tratavam justamente da recuperação de áreas desmatadas em beiras de rios e nascentes, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional uma Medida Provisória.

Um dos eixos centrais desta MP era o tratamento diferenciado para a pequena propriedade, exigindo que os médios e grandes proprietários deste país recuperem as áreas que desmataram. O texto da MP, no entanto, foi modificado e aprovado na Câmara e no Senado, sob os aplausos veementes dos líderes ruralistas Kátia Abreu e Blario Maggi.

O agronegócio mais uma vez impôs seus interesses à formulação da Lei, estabelecendo que:

– Os benefícios para a pequena propriedade fossem estendidos para a média propriedade, ou seja, até 15 módulos rurais (o que pode chegar a 1.500 hectares). Para esses médios, a área mínima de recuperação passou de 20 metros para apenas 15 metros;

– Para os grandes, a área mínima passou de 30 metros para 20 metros, além de o limite máximo ficar a critério de cada estado. Ou seja, o meio ambiente estará sujeito aos interesses políticos estaduais, mesmo tendo impactos sobre toda a sociedade brasileira;

– Se não bastasse a redução da área a ser recuperada em beiras de rios, o agronegócio também se valeu do benefício concedido aos pequenos produtores de poderem recuperar as áreas com até 50% de espécies frutíferas exóticas e expandiu essa possibilidade para as médias e grandes propriedades. Ou seja, onde deveria haver matas, haverá monocultivos com apelação econômica, ou seja, ao invés dos grandes proprietários de terra serem obrigados a recuperarem o que destruíram, serão beneficiados e certamente voltarão a agredir os remanescentes que sobraram;

– Mesmo com todo o discurso produtivista, o agronegócio retirou do texto a definição de área abandonada, e retirou a restrição para pousio (tempo de descanso da terra entre um cultivo e outro), que era de no máximo 25% da propriedade.

Da forma como está, o texto protege os latifundiários grileiros e especuladores, que nada produzem sobre a terra. As médias propriedades deveriam, sim, ser a extensão máxima permitida para proprietários no país, e estes, que se dizem produtores, são os mesmos que impedem a atualização dos índices de produtividade.

Diante de tamanhos retrocessos, nos direcionamos à Excelentíssima Presidenta reivindicando que mantenha seus compromissos de campanha de não anistiar desmatadores. A sociedade brasileira vê como única alternativa o veto da Presidenta a esses pontos que privilegiam o agronegócio, em detrimento da sustentabilidade ambiental e da produção da agricultura familiar e camponesa. Somente assim a Presidenta estará garantindo a segurança alimentar, a sustentabilidade ambiental e a defesa da democracia brasileira, gravemente ameaçada pelo poderio totalitário do agronegócio.

A sociedade brasileira mais uma vez se manifesta: VETA DILMA!

Assinam este documento:

Central Única dos Trabalhadores – CUT

Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura – CONTAG

Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST

Movimento de Mulheres Camponesas – MMC

Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Do Brasil de Fato

Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “Eles vão me matar”

Essa é uma das grandes matérias de jornalismo investigativo da Pública – Agência de Jornalismo Investigativo, um primor de apuração, dados, entrevista, um texto longo para os blogueiros, mas rico em história das barbáries que acontecem em nosso Brasil. Vale a pena a leitura.

– Nesse rio aqui também apareceu um morto, levou 13 dias para virem retirar o corpo. A gente espantava os urubus com uma palha.

Com colete à prova de balas, chacoalhando no banco de trás da viatura da Força Nacional de Segurança, essa é a quarta vez que a produtora e líder rural Nilcilene Miguel de Lima aponta lugares onde encontrou corpos furados a bala nas estradas do sul de Lábrea, município do Amazonas. “Já teve vez que não apareceu ninguém para buscar. O povo enterrou por aí mesmo”.

É fim de tarde. A viatura tem que chegar na casa de Nilcilene antes do escurecer, onde dois policias passam a noite em vigília. Alguns quilômetros antes do destino, ela se agita ao ver uma picape azul no sentido oposto da estrada:

– É ele! É o carro do Pitbull.

‘Pitbull’ é o apelido de Vincente Horn, um dos motivos para a proteção que recebe de nove homens da Força Nacional. Ele é um dos autores da longa lista de ameaças contra a vida de Nilcilene, que já perdeu a conta de quantas vezes foi jurada de morte pelos cães de guarda de grileiros e madeireiros.

As ameaças começaram em 2009 quando ela assumiu a presidência da associação Deus Proverá, criada pelos pequenos produtores do assentamento para defender o grupo contra as invasões de terra e roubo de árvores. No ano seguinte, depois de fazer denúncias e abaixo-assinados contra os criminosos, Nilcilene foi espancada e teve sua casa queimada em um incêndio anunciado.  Em maio de 2011, foi obrigada a fugir enrolada em um lençol para despistar o pistoleiro que estava de campana no seu portão. A equipe da Força Nacional foi deslocada em outubro para garantir que a líder pudesse voltar para casa e continuar denunciando os problemas da região.

Mesmo com a proteção ostensiva, as mãos de Nilcilene tremem enquanto a picape azul se aproxima e o silêncio pesa dentro da viatura. O policial na direção enrijece as costas, o copiloto engatilha seu fuzil. A estrada de terra é estreita, obrigando os carros a passar a menos de um metro de distância. Pitbull não se intimida. Ele reduz a velocidade, abre sua janela e, com um largo sorriso no rosto, acena um tchau.

Enquanto os carros se afastam, Nilcilene aponta os galões de gasolina que deslizam vazios na caçamba da picape:

– Essa noite a motosserra vai comer.

A formação da quadrilha de pistoleiros

Mesmo com escolta armada na porta de sua casa, Nilcilene não dorme sem a ajuda de remédios. Ela sabe que está temporariamente a salvo de uma realidade que não mudou. A inclusão de seu nome no programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (uma parceria entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Ministério da Justiça) foi, até agora, a única ação do governo federal em resposta ao crime organizado que se fortalece na região.

Lábrea fica no sudoeste do Amazonas, fim da Transamazônica, na fronteira com a mata nativa. Para chegar ao sul do município, onde fica a comunidade de Nilcilene, é preciso entrar por Rondônia. É um daqueles lugares onde o estado brasileiro não chegou, solo fértil para quem vive fora da lei.

Além de não ter energia, telefone, posto de saúde ou delegacia, as cerca de 800 famílias que moram lá vivem sob o controle de uma quadrilha de pistoleiros. São mais de 15 “profissionais” que vieram de Rondônia, Mato Grosso e Bolívia. Eles ficam à disposição dos grileiros e madeireiros, que passam por cima do que (e de quem) for preciso para chegar ao ouro verde: as florestas recheadas de ipês, cedros e angelins.

A Pública colheu mais de 30 depoimentos de famílias locais sobre o modo como a quadrilha age. São relatos de agressões físicas a adultos e adolescentes, ameaças de morte, queima de casas, roubos e revistas seguidas de saque.

Leia alguns relatos:

“A ordem era tocar fogo com a gente dentro”

“Tomaram a frente, as fundiárias e depois as costelas”

“Tem muita gente sumida, enterrada lá para dentro”

Os entrevistados são assentados, seringueiros e pequenos produtores rurais que têm documentos para atestar que são donos da terra. Muitos registraram ocorrências dos crimes na polícia e enviaram cartas pedindo ajuda ao governo federal, estadual, Ministério Público e Ibama. Mas nunca tiveram resposta.

A quadrilha funciona assim. Os grileiros contratam os pistoleiros para fazer o “despejo”. Primeiro, invadem a terra e avisam os agricultores que sua terra foi “comprada”. Geralmente dão um prazo para as famílias saírem, enquanto erguem cercas e porteiras. Vencido o prazo, começam a intimidação: bloqueiam as estradas de acesso e fazem rondas diárias atirando para o alto. Nessa fase, se cruzam com os produtores rurais pelo lote, fazem revistas, saqueiam o que eles carregam e até os agridem fisicamente. É nesse ponto que muitas famílias deixam suas casas por um tempo, “até baixar a poeira”. Muitas vezes, quando voltam, a casa foi queimada com tudo dentro.

Isso acontece em lotes individuais e dentro dos dois assentamentos demarcados pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Já os madeireiros simplesmente entram na mata nativa, que tem que ser preservada pelos assentados e pequenos proprietários, derrubam e “puxam” as árvores pelas estradas durante a noite. Eles contratam pistoleiros para evitar reação do proprietário. Muitos produtores já estão tão intimidados pela quadrilha que assistem sem reclamar.

Para quem evoca a justiça, mostrando os títulos emitidos pelo governo, a resposta padrão é: “quem demarca terra é a minha pistola”. Ou “justiça e merda aqui é a mesma coisa”.

As famílias que ainda se apegam à terra ou às árvores, são juradas de morte. As mulheres deixam os filhos na casa de parentes e passam as noites em claro. Os homens soltam madeiras no piso para criar rotas de fuga pelo chão. Quando as ameaças sobem de tom, alguns passam noites fora de casa, ao relento. Para não serem encontrados, dormem sobre uma tábua escondida no meio da lavoura.

Do seringal à Brasília

Nilcilene já passou por todas essas etapas. Ela é graduada nas batalhas por terra da Amazônia.

Filha de um soldado da borracha, Nilce, como é chamada pelos amigos, nasceu em um seringal no Acre. Ela cresceu catando castanhas com os 14 irmãos, período em que apelidou a árvore que lhe dava leite e comida de castanheira-mãe. Aos 10 anos, sua família foi expulsa da terra e fugiu para a Bolívia. Antes de completar os 20, já com quatro filhos, Nilce perdeu o primeiro marido. Ele foi encontrado morto em um rio depois de resistir às ordens para sair de sua casa.

Ela criou os filhos sozinha e chegou ao sul de Lábrea em 2003, quando um grupo de lavradores sem terra começava a montar o acampamento onde hoje fica o assentamento Gedeão, que ela lidera. O nome oficial do assentamento é Projeto de Desenvolvimento Sustentável Gedeão – uma homenagem ao primeiro líder do grupo, assassinado em 2006.

É difícil saber quantas pessoas já morreram em conflitos no sul de Lábrea. Como muitos simplesmente desaparecem, o número é resultado de subnotificações. Desde que o assentamento foi criado, há registro de 8 assassinatos em decorrência de conflito de terra.

Um deles ocorreu duas semanas depois que Nilce fugiu de casa. Em maio de 2011, logo depois que o Ibama apreendeu motosserras durante uma vistoria no sul de Lábrea, os pistoleiros saíram em busca dos possíveis denunciantes. Os primeiros da lista eram Nilce e Adelino Ramos, conhecido como Dinho, que era líder do assentamento Curuquetê, também no sul de Lábrea.

Ela escapou porque foi avisada e fugiu. Dias depois, recebeu a ligação de Dinho: “Parceira, eu tô correndo vários perigos e você também. Cuidado”. Dinho foi assassinado com seis tiros à queima roupa no meio de uma feira no dia 27 de maio.

O assassino, um motorista de caminhões de toras do sul de Lábrea, entregou-se para a polícia três dias depois. Mas foi solto no fim do ano. Em janeiro, enquanto a reportagem da Pública estava na região, ele foi assassinado – crime imediatamente interpretado pela população local como queima de arquivo.

A morte de Dinho foi um dos fatores que levou a Secretaria de Direitos Humanos a dar proteção a Nilce. Depois de seis meses de exílio e muitos apelos da Comissão Pastoral da Terra, ela entrou no seleto time de 6 lideranças rurais em todo o país que têm escolta 24 horas pelo programa Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. O programa recebe pressão da mídia nacionalinternacional para incluir outros líderes ameaçados.

Contando com Nilce, em Lábrea estão os dois únicos líderes que têm direito a escolta 24 horas no estado do Amazonas. O outro protegido fica na sede do município, recordista de pessoas juradas de morte no estado, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra. Há 12 registros oficiais de pessoas ameaçadas devido a conflitos da terra – mas é possível que hajam outros lavradores na mesma situação com medo de fazer denúncias.
Missão em crise

A inclusão de Nilce no programa foi fundamental para que ela pudesse voltar à sua terra e denunciar os crimes que ocorrem no sul de Lábrea. Mas, pelo menos por enquanto, os criminosos continuam atuando
livremente.

Os policiais da Força Nacional não podem dar entrevistas, mas informalmente revelam o desgaste de situações rotineiras, como cruzar com caminhões sem placa carregados de madeira dirigidos por pessoas que ameaçaram Nilce. E se fazem uma pergunta importante: do que adianta dar segurança para que a líder continue denunciando crimes que o Estado não pune?

Graças às denúncias de Nilce e Dinho, dois inquéritos foram abertos em 2010. No fim daquele ano, 23 homens do sul de Lábrea tiveram mandados de prisão preventiva decretados por suspeita de extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte. Dos 23, menos de 5 foram presos, e ainda assim por um curto período. Hoje todos estão em liberdade.

O que é mais contraditório é que essas mesmas pessoas continuam cometendo os mesmos crimes nas barbas da equipe da Força Nacional.

De madrugada, caminhões carregam toras de madeira pelas estradas do assentamento sem sequer evitar o trecho que passa a 30 metros da varanda de Nilce. Os policiais já tiraram até fotos do trânsito.

Das duas vezes que os policiais da Força tentaram trabalhar na origem do problema, perceberam que solucionar a impunidade no sul de Lábrea está bem acima das suas competências.

A primeira vez foi logo que chegaram. A equipe fez um levantamento de todos os mandados de prisão e descobriu um que ainda não estava revogado. Foi assim que os policiais prenderam “Márcio”- um dos nomes mais temidos pelos pequenos agricultores da região. Mas, ao chegar com o preso na delegacia de Extrema (Rondônia), surpreenderam-se com a manifestação de medo da polícia local. “Sangue de Cristo
tem poder!”, ouviram de um dos PMs ao revelar o nome do preso. Poucas horas depois, a polícia de Rondônia não havia encontrado o mandado de prisão no sistema e o preso foi liberado.

A segunda tentativa foi uma ação flagrante: a equipe apreendeu o equipamento de um grupo de madeireiros que derrubava árvores sem licença. O motor foi levado para a estação do Ibama mais próxima, que também fica em Extrema. Mas, chegando lá, ouviram que a equipe local não poderia recebê-los. Aquela é uma estação para operações esporádicas, eles disseram. Embora os funcionários ainda estivessem lá, já tinham encerrado a ação e estavam de saída. O motor foi levado de volta aos madeireiros.

De volta à mira

As ameaças a Nilce não pararam. Chegam pela boca de amigos e vizinhos. “Tão dizendo que, quando a Força for embora, a cabeça da Nilce vai rolar”, foi a mensagem mais ouvida pela reportagem.

Ela mora com o marido, Raimundo de Oliveira, desde que sua casa foi incendiada em agosto de 2010. Não há energia ou nenhum tipo de comunicação externa, como telefone, celular ou rádio. A casa é cercada pela floresta e pela lavoura com 4 mil pés de mandioca de seu Raimundo. Nas noites fechadas, não é possível ver nada além de três metros da varanda. Se suspeitam que há alguém cercando a casa, os policiais não podem acender suas lanternas, ou viram alvo fácil.

Isso aconteceu pelo menos uma vez. “Teve uma noite, logo no começo, que os cachorros latiam muito, para tudo que era lado”, contou um dos policiais. A dupla em vigília se dividiu, cada um em uma porta, atentos para qualquer vulto que se aproximasse. “Floresta é sinistro. Você não sabe de onde o cara vem”, disse outro policial,  que confessou ter sentido mais medo naquela noite do que em operações em favelas dominadas pelo tráfico.

Já em fevereiro, quatro meses depois que a equipe chegou, um homem foi flagrado se escondendo perto do portão da casa quando já estava quase escuro. Os policiais deram tiros para o alto e ele saiu correndo pela estrada.

Futuro incerto

Depois que Nilce vai para o quarto, Raimundo gosta de esticar a noite na varanda conversando com os
policias. Eles pedem causos de onça, que Raimundo desfia sem pressa.

Nilce e Raimundo não sabem muito sobre o futuro. Onde e quanto vão viver depende bastante do encaminhamento que o governo vai dar às demandas de segurança do sul de Lábrea. Se a intervenção não for além do que a escolta por mais alguns meses, o casal está convencido de que não haverá futuro naquela terra. Mas ainda não sabem como reunir coragem para deixar tudo que construíram para trás.

Há momentos em que Raimundo bate o pé que não deixa sua casa. “Já sou muito velho para morrer de fome na cidade”, diz. Enquanto estava exilada, Nilce não cansava de repetir que preferia morrer na terra do que viver na cidade.

No fim da noite, o casal toma alguns minutos para avaliar a situação. “Enquanto os meninos estão aqui, eles estão quietos. Mas depois vai descarregar em dobro em cima da gente. Enquanto não prender, não muda. Mas também não adianta esse negócio de prender e soltar ali adiante”,  diz Raimundo.

Ele para por alguns segundos e reconsidera. “Acho que a gente vai ter que ir embora mesmo. Eu não tenho medo de morrer, mas não quero morrer de graça. Também não sei que bem tem morrer para viver na história, que nem o Dinho, o Gedeão, o Chico Mendes. Eu penso que a gente tem que viver vivo”.

Da Pública, Agência de Jornalismo Investigativo

Código Florestal: Câmara pode votar novo texto dia 6 de março

O novo Código Florestal voltará à pauta da Congresso Nacional no dia 6 de março, data acertada entre governo e parlamentares para votação do texto na Câmara dos Deputados. A proposta, que já havia sido aprovada pela Câmara, sofreu mudanças no Senado e deve ser levada diretamente ao plenário, sem passar por comissões da Casa. Depois da Câmara, a nova legislação ambiental deverá finalmente seguir para sanção presidencial.

A data e o acordo para votação foram discutidos nesta terça (7) em reunião entre a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e os ministros da Agricultura, Mendes Ribeiro, e do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Os relatores do texto no Senado, senadores Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) e Jorge Viana (PT-AC), o novo relator da proposta na Câmara, Paulo Piau (PMDB-MG), e o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, também participaram da reunião.

“Já foi acertada no colégio de líderes a votação para os dias 6 ou 7 de março. A reunião de hoje era para afinar essa posição”, disse Piau.

O relator informou que pediu contribuições ao texto de universidades e organizações da sociedade civil e que as avaliações serão apresentadas aos ministros em nova reunião na próxima semana. “Conversei com dez consultores e especialistas, e todos foram unânimes em dizer que o texto do Senado melhorou muito”, contou.

Apesar do aparente acordo, algumas questões provocaram polêmica na tramitação no Senado e deverão ser rediscutidas na Câmara. Entre as mudanças feitas ao texto pelos senadores está a determinação de que as áreas desmatadas irregularmente até 2008 sejam consideradas consolidadas e que os produtores que desmataram depois desse período sejam obrigados a recompor suas reservas legais. A bancada ruralista na Câmara não ficou satisfeita com a  obrigatoriedade de recomposição e, em dezembro, já dava sinais de que não aceitaria a mudança no texto.

A expectativa é que os deputados concordem em elaborar um “emendão”, juntando todas as propostas complementares à versão do Senado em uma só emenda ao texto. Contrárias às possíveis flexibilizações na legislação florestal, organizações ambientalistas já estão em campanha para pedir o veto da presidenta Dilma Rousseff a pontos do novo código que permitam novos desmatamentos ou reduzam a proteção das matas nativas.

Do ABC Digital

Estudo diz que desmatamento na Amazônia vai aumentar

Com base no padrão dos desmatamentos consolidados, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) traçou uma estimativa de novas derrubadas para a região e concluiu que a devastação vai aumentar entre julho deste ano e agosto de 2012.

O levantamento, divulgado hoje (15) pela organização não governamental, alerta para a provável derrubada de 7.134 quilômetros quadrados (km²) de floresta no período. A atual taxa de desmatamento, medida entre agosto de 2009 e julho de 2010, é 6.451 km².

Para este ano, os dados ainda não estão fechados, mas os números dos alertas mensais apontam tendência de aumento da taxa. Em maio, por exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 268 km² de desmatamento, área 144% maior que no mesmo mês de 2010.

De acordo com a projeção do Imazon, os estados do Pará e de Mato Grosso concentram as florestas com maior risco de desmatamento. As áreas com maior probabilidade de desmatamento estão ao longo da BR-320 (Transamazônica), na região da Terra do Meio, e ao longo da BR-163 (que liga Pará e Mato Grosso), segundo o estudo.

Entre os municípios, o risco de desmatamento é crítico na região onde será construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Os três municípios com maior probabilidade de desmatamentos futuros estão na área de influência do empreendimento: Pacajá, Altamira e São Félix do Xingu.

O modelo do Imazon usa informações sobre a localização da ocorrência de desmatamento no passado para calcular a possibilidade de novos desmates. A estimativa também considera variáveis como proximidade com estradas, rios, distância de áreas protegidas e alcance econômico.

Na avaliação por situação fundiária da terra sob risco, o Imazon concluiu que a maior parte das áreas vulneráveis está em propriedades privadas ou em conflitos por posse: 65% do total. Os assentamentos de reforma agrária abrigam 24% das florestas sob risco. O restante está em unidades de conservação e terras indígenas, onde, teoricamente, não deveria haver nenhuma derrubada ilegal.

Agência Brasil