Antes de se tornar o ídolo dos palcos, Caetano Veloso sonhava com filmes. Sua apaixonada relação com a sétima arte o levou a tentar uma carreira como crítico antes mesmo de seguir a atividade musical. Em outubro de 1960, aos dezoito anos, estreou a coluna Cinema e Público no jornal O Archote, fundado por seu ex-colega Genebaldo Correia. O título foi escolhido porque o jovem não queria apenas falar sobre as obras em si, mas também sobre a reação das plateias. A vontade de expressar suas opiniões em palavras e o gosto pela polêmica, muito provavelmente, têm origem aí.
Nascido em 1942 em Santo Amaro da Purificação, no interior da Bahia, Caetano passou a adolescência imerso nas sessões do Cine Subaé, a pequena sala da cidade. O apreço do então programador local por produções italianas, francesas e mexicanas, com menos ênfase nos clássicos de Hollywood, teve influência direta sobre o gosto do aspirante a cinéfilo. Apesar de se deixar seduzir por atrizes como Ava Gardner, Bette Davis e Elizabeth Taylor, Caetano era apaixonado pela mexicana Maria Felix, a francesa Brigitte Bardot e as italianas Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Claudia Cardinale. Admirava Gene Kely e Fred Astaire, mas queria ser Alain Delon ou Jean-Paul Belmondo.
Cinema novo
Aquela pequena sala foi tão importante para a formação cultural de Caetano que agora batiza a obra que reúne toda a sua produção sobre o assunto: Cine Subaé – Escritos Sobre Cinema (1960-2023), organizado por Claudio Leal e Rodrigo Sombra, traz críticas e colunas de jornais, entrevistas e depoimentos sobre a produção cinematográfica mundial.
Caetano começou a levar o tema mais a sério quando se mudou para Salvador. Ali virou frequentador assíduo dos debates no Clube de Cinema da Bahia, fundado em 1950 pelo crítico Walter da Silveira. Caetano decidiu então que também escreveria profissionalmente.
Sua primeira experiência na grande imprensa veio pouco depois, quando assinou um artigo sobre Fellini no jornal Afirmação, de Salvador, a convite do crítico Orlando Senna. A recepção positiva levou Senna a indicar o pupilo como colaborador no prestigioso Diário de Notícias, editado por um jornalista que entraria para a história do cinema brasileiro: Glauber Rocha, que logo estrearia como diretor em Barravento, marco zero do Cinema Novo.
Em 1962, o diretor de teatro Álvaro Guimarães convidou Caetano para criar a trilha sonora da peça Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues. Foi nos encontros boêmios na casa da atriz Maria Moniz, onde ele convivia com Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e Maria Bethânia, que o Caetano dos filmes se tornou o Caetano das canções.
A antologia se aprofunda também em sua produção para o cinema. Traz detalhes de trilhas sonoras, como São Bernardo, de Leon Hirszman, Tieta do Agreste e Orfeu, de Cacá Diegues.
O compositor criou ainda canções originais para A Dama do Lotação, de Neville D’Almeida, Índia, a filha do Sol, de Fábio Barreto, e O Bem-Amado, de Guel Arraes, entre outros. Como ator, participou de longas de Julio Bressane e interpretou a si próprio em obras dos espanhóis Carlos Saura e Pedro Almodóvar. O livro aborda ainda a única experiência de Caetano atrás das câmeras, quando dirigiu o filme-ensaio O Cinema Falado, de 1986.
Embora as citações cinematográficas estejam presentes em letras ao longo de toda a sua carreira, no álbum Tropicália 2, gravado em parceria com Gilberto Gil, Caetano confessa que o passado de cinéfilo influenciou na criação de sua persona artística: “A voz do morro rasgou a tela do cinema / E começaram a se configurar / Visões das coisas grandes e pequenas / Que nos formaram e estão a nos formar”.