A quem possa interessar: Tenho luz própria e não tenho padrinhos

Nasci pelas mãos de uma parteira na rua João Pinheiro, bairro Floresta, no tempo em que nem rua era, apenas uma “picada” no meio de uma região ainda tomada por muita vegetação. Me criei por entre ruas de chão batido, saltando valas à céu aberto, jogando bola em campinhos com grandes amigos. Não éramos pobres, mas também não tínhamos posses. A primeira casa, de madeira, deu lugar a outra de alvenaria construída a duras penas por meu pai, Zeny Pereira da Costa, um homem lutador, trabalhador, que saiu do mato da rua Santa Catarina para ganhar o mundo em Joinville (SC), no “centro”, como diziam os mais velhos.

Estudou até a terceira série, mas sabia fazer mais contas que qualquer um hoje com calculadoras. De tão honesto, chegou a ser chefe de custos da antiga Cipla, nos tempos do senhor João Hansen Júnior. Respeitado, se aposentou por estresse, chegou a ter um bar onde o ajudei por seis anos, até que nos deixasse por conta de um câncer há 23 anos. Meu pai morreu cedo, mas deixou o maior legado para mim e meu irmão: honestidade. A ele devo parte da minha personalidade forte, que não aceita injustiças, nem acusações infundadas. Devo-lhe meu eterno respeito e gratidão!

Minha mãe, dona Isolde da Costa, me trouxe ao mundo e graças a Deus ainda vive entre nós, dando aulas como quando exerceu o ofício ao lecionar no Colégio Estadual João Colin no velho Itaum, berço de tantas histórias da velha Manchester Catarinense. Nascida em Ilhota, veio para Joinville ainda pequena. Ajudava minha vó, Mercedes e meu avô, Helmuth, a manter a casa. Estudou na escola São Vicente de Paula, hoje Santos Anjos, mas nos tempos de internato, com as freiras de chapelão branco. Formou-se professora e ensinou milhares de joinvilenses até se casar com meu pai no final dos anos 1960. Cuidou de quatro filhos do primeiro casamento de meu pai, deste que vos escreve e meu irmão Zeny Júnior, este com deficiência intelectual. Dela aprendi a ser bom, a ser solidário, a estudar sempre. Devo a ela a paciência que tive, e tenho até hoje com os percalços da vida.

Os leitores podem estar perguntando: afinal, do que o blogueiro quer falar? Já lhes digo. Brinquei muito, quis ser jogador de futebol – e era bom jogador! – mas não cheguei lá. Estudei no Colégio Cenecista José Elias Moreira, hoje Colégio Elias Moreira moderníssimo e para quem pode pagar caro. Naqueles tempos de Gonçalo Nascimento, Lauro Lorenzi, dona Elza, dona Tania e tantos ótimos professores, recebi muitos “honra ao mérito”, espécie de diploma para quem tirava notas acima de nove. Cheguei firme ao segundo grau, hoje ensino médio. Mas aí o começo da vida profissional trabalhando inicialmente no bar do Zeny fez as notas caírem um pouco, e a vontade de jogar e vencer jogos escolares (ganhei vários) fizeram as notas caírem um pouco, nada que impedisse minha formatura lá por 1985.

No bar de meu pai fiz minha primeira faculdade. Sim, porque o que se aprende atendendo várias pessoas de diversas idades, problemas, histórias, é fantástico! Trabalhei muito e muitos dias até domingos. Fiz sorvete e picolé, limpei muita calçada e balcão, abasteci muitos freezers. Vendi muito bolachão de mel, balas, bolinhos de carne, ovos na conserva, pastéis, refrigerantes. Depois fui aprender contabilidade ao ser auxiliar de escritório do senhor Norberto Rudnick, que tinha um escritório na rua Santa Catarina, também no bairro Floresta, zona sul da cidade. Ali fiz escrita fiscal, faturamento, datilografei – isso mesmo, não tinha computador não! – atendimento aos clientes, e saí para uma nova oportunidade na então Elmo Contabilidade do senhor Carlos Viertel. Ficava na esquina das ruas Princesa Isabel com dona Francisca, no centro.

Lá me descobri líder de equipes, cuidando do atendimento ao cliente e abrindo empresas junto à Junta Comercial do Estado. Revolucionei o setor que supervisionava, com salto de qualidade imenso. Era jovem e queria mais. Já tinha entrado em duas faculdades e terminado nenhuma. Pesado demais para pagar. Em companhia de mais três amigos, incentivado por um dos sócios da Elmo, abrimos então a Meta Organização Contábil. Comigo ficou a parte de marketing, relações pública, atendimento. Até que pela primeira vez abertamente senti o que é ser traído, o famoso puxão de tapete. Saí da sociedade buscando meus direitos na Justiça com o grande doutor Adauto Virmond Vieira, hoje aposentado.

Enquanto isso, enveredei por multinacionais Coca Cola, Pepsi Cola, Belco, onde conheci mais vezes os fantasmas dos traidores, do ciúme por não terem a mesma capacidade, ou o mesmo vigor que eu tinha para empreender novidades, ações. De todas eu superei e recomecei. Jamais desisti do que meu pai me dizia: seja honesto. Nessa época acabei entrando de vez na assessoria política pelas mãos do amigo Ademir Machado, então vereador pelo PMDB. Já havia apoiado o amigo na primeira eleição dele em 1992, depois em 1996, 1998. A partir daí meus contatos e trabalho com a comunicação, imprensa e marketing foram o carro chefe da minha carreira. Continuei a ser surpreendido com sacanagens de toda ordem. Mas passei por todas elas em passagens por Câmara de Vereadores (três passagens se não me engano), Conurb, Secretaria de Desenvolvimento da Prefeitura de Joinville, Câmara dos Deputados, Secretaria de Infraestrutura do Estado de Santa Catarina, e hoje dono do meu nariz como consultor e assessor independente.

Escrevo todas essas passagens para mostrar que tenho luz própria, que lutei, e luto por minha vida. Conquistei meu lugar no mercado de trabalho e na sociedade trabalhando duro, superando reveses, adversidades, separação conjugal, calotes financeiros, traições de companheiros, estudando muito, mostrando competência em todos os lugares por onde passei, em serviços que prestei para personalidades, empresas, governo, legislativo, executivo, entidades sindicais como o Sindicato dos Mecânicos de Joinville e Região. Jamais tive heranças de meus pais para que pudesse sobreviver vendendo os bens, vivendo de aluguel ou o que quer que seja. Jamais me vendi ao dinheiro, nunca tive padrinhos que me colocassem em cargos públicos permanentes, para que depois me aposentasse com gordos salários pagos pelo contribuinte. Jamais desisti. Não tenho bens materiais, trabalho duro desde os 15 anos e me orgulho de ser uma pessoa que tem como bens a honra, honestidade, competência, caráter, solidariedade, sensibilidade, amigos, muitos amigos, milhares deles. E poucos, muito poucos inimigos, e alguns adversários. Paguei o preço, alto preço, mas tenho minha liberdade e minha paz.

Além de nunca ter ganho um cargo público vitalício, e dele me utilizar para galgar posições e conquistar muito dinheiro exatamente por ser honesto e muito trabalhador, jamais pude viajar de férias todos os anos, quem dirá até quatro vezes ao ano como muitos, e até para o exterior na mesma proporção. Mas viajei sim, por esse Brasil afora com trabalhadores nas lutas por seus direitos em Brasília, Florianópolis, em ônibus por mais de 24 horas na ida e mais 25 horas na volta. Caminhei quilômetros ao lado de pessoas paupérrimas que lutam por um pedaço de terra para plantar, viver da terra. Comi quentinhas sentado com metalúrgicos, comerciários, operários da construção civil, mecânicos, de todos os setores. Mas também já estive com prefeitos, governadores, senadores, deputados estaduais, federais, empresários, sentando à mesa para negociar, almoçar, tratar de leis, da vida de milhares de pessoas com aqueles atos que se votam por ai afora. Muito me honra compreender todos esses momentos, saber conviver em todos os lugares, e com todas as pessoas. Ninguém é melhor que ninguém, somos todos seres humanos em busca da felicidade.

A quem possa interessar, repito: tenho luz própria, jamais tentei apagar a luz de outras pessoas para que a minha reinasse absoluta. Fiz exatamente ao contrário, e ainda faço e farei com que minha luz de trabalho, honra, capacidade, solidariedade, amizade e honestidade possa iluminar os caminhos de pessoas que precisam. De jovens que queiram entrar na carreira, no trabalho do jornalismo em todos os seus meandros e setores. Esse é o meu caminho. É minha decisão. Jamais tive padrinhos para me darem uma cadeira, um espaço em rádio, ou na tv. Não quis, nem precisei, porque conquistei meu  espaço com talento, competência e trabalho, muito trabalho! Faço minha vida  com alegria, fazendo milhares de amigos, e alguns poucos desafetos que não conseguem conviver com o sucesso dos outros. Sigo minha vida ao lado dos bons, porque só assim o mundo deixará de ser um lugar de brigas, violência, ódio, para ser um espaço de fraternidade, solidariedade, inclusão, amor, companheirismo.

E como já disse nas redes sociais, azar de quem fica à beira do caminho atirando pedras e vociferando porque enquanto os cães ladram, a caravana passa, e passará para um tempo melhor em que as pessoas aprendam de uma vez por todas que há espaço para todos. E que a cidade não é feudo de poucos, mas o lugar de viver para milhares, talvez milhões. Obrigado a todos e todas, esse é apenas um desabafo, porque a alegria de fazer o bem, e de fazer bem feito para o maior número de pessoas, é minha profissão de fé. Em memória do seu Zeny, da velha dona Isolde, e do meu amor por meus filhos Gabriel, Lucas, João Pedro, minha filhota Rayssa, e minha amada, minha luz, Gi Rabello. Que Deus nos ilumine hoje e sempre!

Perfil: Mateus Carlos Moreira, seu Neuzo – O último “picareta” de carros do Século 20

Ele não consegue ficar parado. Acorda por volta de cinco horas da manhã, assoviando, falando com os pássaros que chegam ao quintal da sua casa no Bucarein. Todos os dias é assim na vida de Mateus Carlos Moreira, o seu Neuzo, 86 anos e muita história de vida. Da roça onde morava com a família no Morro Grande em São Francisco do Sul, vendendo lenha, leite, aipim, palmito, e outros produtos, tudo de carroça e de casa em casa, até a afirmação em Joinville vendendo automóveis e comerciando de tudo, a vida de seu Neuzo e família foi uma luta renhida. “Fiz de tudo na vida”, anuncia ao lado da filha mais nova, Marli de 59 anos, e da esposa Ruth, 82 anos e 66 de união que gerou cinco filhas e dois filhos, um morto ao nascer.

Trabalhou no porto, como estivador. “Era tudo trapiche de madeira. Carreguei muita madeira, erva-mate, banha. Tudo no muque (mão)! Virava a noite para ganhar dinheiro”, conta. Daquele tempo lembra com alegria dos amigos, todos já falecidos. “A gente olhava pela boca da escotilha e via as pessoas, mulher trocando de roupa, de tudo”, relembra sorridente. A família passou muita dificuldade quando ele sofreu acidente no trabalho e foi internado em Florianópolis no Hospital de Caridade. Quando voltou tempos depois, vendeu peixe e outras mercadorias, até quando teve a sorte de ganhar na loteria. “Nunca me esqueço do número: 10.910. Com esse dinheirinho fiz a mudança para Joinville. Eles (filhos e mulher) vieram no caminhão, e eu de bicicleta”, relata Neuzo.

Até caixão o homem fez. Certa vez, já cansado de produzir até de madrugada, resolveu pregar uma peça e soltou toda a produçao de caixoes rio abaixo em uma maré alta, assustando os moradores da pacata Sao Francisco do Sul do início do século passado. “Foi uma coisa, morria muita gente de Tifo, e aquilo assustou. Nunca contei que fui eu”, fala às gargalhadas. Por volta de 1950 conheceu o comerciante Jacó Zattar que vendia tecidos na famosa Loja A Vencedora, e também automóveis na avenida Getúlio Vargas. Ali a vida mudou para melhor. Bom comerciante, bom papo, Neuzo vendia muito e sempre viajavam à Curitiba para comprar carros e trazer para revender na cidade. “A gente saia pelas seis da manhã e só chega lá às três da tarde. Era tudo banhado na estrada”, conta.

No final da década de 1950 resolveu vender carros por sua conta. Já existiam as revendas da Chevrolet, Ford e Douat. “Vendi 12 DKW em um dia só. Não tinha carro que chegasse. A gente era conhecido como picareta de carro, depois é que ficou vendedor”, afirma. Seu local de venda ficava na esquina das ruas São Paulo e Coronel Francisco Gomes, bem em frente ao estádio Ernesto Schlemm Sobrinho do Caxias. Neuzo, não contente, também ganhava dinheiro com outras atividades. “Desmanchava casas, vendia as telhas, tijolos. Construí umas dez casas pela cidade, algumas ainda existem. Também tive churrascaria”, relata. Era a Churrascaria Bons Amigos que funcionou até a década de 1970 na rua São Paulo onde hoje funciona o supermercado Compre Forte. Jogadores do Caxias como Jairo, Mickey, Norberto Hoppe comiam no restaurante.

Dona Ruth ajudava muito e assava as carnes até encontrarem um bom assador. Ele vendeu a churrascaria e continuou no ramo de carros até o início de 1980, quando foi ajudar o filho em seu comércio, a já extinta Romafer na avenida Getúlio Vargas, e depois na Maferville, ainda ativa na mesma região. Com avançada idade, a família pediu que ele parasse de trabalhar. “Elas ficavam com medo de eu atravessar as ruas. Aí parei, e agora passo os dias jogando dominó na praça Nereu Ramos, batendo papo com os amigos e cuidando da Ruth”, explica Neuzo mostrando sua propriedade.

Há três anos ele sofreu um AVC, e foi recomendado que fizesse uma atividade que o mantivesse ativo. Por isso o dominó virou seu passatempo. “Disputei o campeonato na praça, ganhei uma mesa. Gosto de ir lá, aprendi a jogar no porto. Sei até quando puxam a pedra, qual jogo eles tem na mão”, finaliza o octogenário sobrevivente dos tempos românticos da maior cidade catarinense.

* publicado na seção Perfil do jornal Notícias do Dia de Joinville em junho 2011