Não ando muito inspirado, e tampouco transpirando muito na produção de novos textos. Mas este saiu para ser publicado na sexta edição da antologia “Letras da Confraria”, produzido e editado pela Associação Confraria das Letras e recentemente lançado em Joinville (SC). E nasce de uma passagem por um barbeiro – sim, eles ainda existem! -, sempre eles com suas barbearias cheias de histórias. Pregação nasceu em uma delas, confiram:
“Com tempo sobrando para fazer algo que fosse meu – nosso tempo anda mais para os outros hoje em dia do que para a gente mesmo – resolvi chegar ao barbeiro mais próximo de casa. Coisa básica para um calvo cujos ralos cabelos crescem, mas teimam em tentar voltar aos tempos de juventude adolescente, dando voltinhas a buscar cachos que não voltam mais. Caminhei menos de cem metros. No trajeto, dois barbeiros. Um já conheço, o mágico da tesoura. O outro nunca tinha visitado. Como o primeiro enrola muito para aparar meus poucos fios, resolvi conhecer o serviço do outro lado da rua.
A porta estava fechada, com placa de “ar condicionado – entre” pendurada. Dei uma olhadela, lá estava ele, o Angelo Barbeiro, como dizia a placa acima de minha cabeça. Entrei. A televisão ligada, ele sentado em um banco lendo alguma revista. – Boa tarde, falei. Alto, cabelo esbranquiçado, mas bem ajeitado – afinal entende de cabelo – o barbeiro tirou os óculos de leitura e retribuiu o gesto. – Dá para cortar a minha cabeleira agora, puxei assunto, bobo assunto já que somente eu e ele ocupávamos aqueles metros quadrados. Ele respondeu: – Mas é prá já! Arrumou a cadeira famosa dos barbeiros. Sentei. Ele colocou uma espécie de jaleco protetor. Pensei, esse é bom, não fala, vai ser rápido.
– O senhor quer na máquina? Disse que sim, a dois. Aí foi meu erro, quando disse: – Como vai a vida? Pronto. O homem ligou a maquininha, zumm zummm, deu duas rapadas no couro cabeludo (?), e parou. – Olha senhor, a coisa sempre vai bem. O povo hoje reclama muito, não enxerga que temos tudo! Mais umas passadas, zummm para lá, zummm para cá, e mais uma parada. – A gente precisa é entender que não somos deste mundo. Não temos entendimento da vida, conhecer não é bom, tem é de fugir da verdade! A verdade, se a gente fala, a gente some, declarou o barbeiro.
A conversa alongou, e a cada parada no zum zum, ele conversava comigo me olhando no espelho. Quando eu olhava no espelho, ele me olhava nos olhos. A pregação seguiu por mais uns vinte minutos. Passou ao uso da tesoura para ganhar mais um tempinho comigo, claro, arrumou um para ouvir sua pregação, instigante até, mas que me fazia circular o pensamento ora para um tema, ora para outro. Quando eu dizia entender, ele dizia não, não é isso, é aquilo. – Vai a zero na parte de cima? A parte de cima era a calva que ainda tem os heróis da resistência. Concordei, já sem falar, só no manear a cabeça. Acabou. Mais vinte minutos de explicação das energias e vida dele, desde o Egito até aqui. Fui embora atrasado para uma reunião. E sem a zero na calva.
Por Salvador Neto