A receita de Bolsonaro para ganhar o comando do Congresso envolve bilhões em emendas

Ao custo de quatro ministérios e da liberação de dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro está em vias de ter aliados no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Seus candidatos, respectivamente, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), caminham para serem eleitos para as presidências das duas Casas na próxima segunda-feira, dia 1º de fevereiro. Caso se confirmem essas vitórias, Bolsonaro abraça de vez a velha política que sempre criticou. E exatamente da maneira que prometeu que não o faria, liberando recursos, negociando cargos por apoio.

Não é uma vitória menor para um presidente que enfrenta queda de popularidade, ainda que mantenha um patamar alto de apoio. Com ela, Bolsonaro consegue deixar um eventual processo de impeachment em stand by e pode progredir com sua pauta conservadora no Legislativo. Nesse sentido, estão previstos projetos de lei que pretendem ampliar o armamento da população, o avanço da proposta de prisão após condenação em segunda instância e a que vincula as polícias militares à União.

Na Câmara, na tentativa de frear o avanço de Bolsonaro, o principal adversário de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), usou seu padrinho político, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para denunciar a compra de votos em troca de emendas parlamentares. Nos últimos dias, Maia tem dado seguidas declarações criticando o Palácio do Planalto. Afirmou que Bolsonaro liberaria 20 bilhões de reais em emendas extraorçamentárias para os parlamentares. E chegou a ligar para o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, para reclamar da tentativa de interferência do Governo.

“A forma com o Governo quer formar maioria não vai dar certo, porque essas promessas não serão cumpridas em hipótese alguma. Não há espaço fiscal”, reclamou Maia. “Todos estão legitimados para exercer suas funções, nenhum parlamentar pode ser prejudicado por ser a favor ou contra o Governo”.

Outro concorrente ao cargo e que tem chances quase nulas de vencer, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), reforçou esse avanço do Governo entre os congressistas. “Os deputados estão se vendendo para o Bolsonaro. Claramente trocam votos por cargos, por emendas”, disse ao EL PAÍS. Uma reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, nas últimas semanas, o Governo já abriu a torneira para abastecer prefeituras e governos indicados pelos parlamentares nas emendas extraorçamentárias. Foram 3 bilhões de reais destinados a afilhados de 250 deputados e de 35 senadores.

Com apoio dos partidos de esquerda, Rossi insiste no discurso da independência do Legislativo. A expectativa na Casa é que ele atinja cerca de 200 votos. Para ser eleito são necessários ao menos 257, entre os 513 deputados. Já Lira, conta com aproximadamente 240. Nessa contabilidade, deve haver segundo turno. Há pelo menos outros seis concorrentes ―Frota, Luiza Erundina (PSOL-SP), André Janones (AVANTE-MG), Fábio Ramalho (MDB-MG), Marcel Van Haten (NOVO-RS) e Capitão Augusto (REP-SP).

Além das emendas palacianas, Lira tem dito aos seus eleitores que terá o poder de indicar até quatro ministros, além de seu séquito de assessores. É o que se chama de ministérios com porteiras fechadas onde é possível administrar primeiro, segundo e terceiro escalões. Na conta estariam os ministérios da Saúde, do Turismo e mais dois que ainda estão sendo discutidos. Para acomodar o grupo de Lira, o Centrão, há ainda a possibilidade de se recriar o Ministério da Previdência, que hoje está sob o guarda-chuva da Economia.

“O Lira joga com a máquina do Governo em seu favor, que culminaria até em uma reforma ministerial”, diz o cientista político Leonardo Barreto. Como seu ativo, ainda é apontado o fato de conhecer “a alma dos deputados do baixo clero”, como diz esse especialista, e por ser um “cumpridor de acordos”. “É aquela coisa de fio do bigode. Por isso, o Centrão está hermético com ele”.

Os ventos do Centrão

Em Brasília, o Centrão costuma seguir dois ventos: o da aprovação/rejeição popular e o do dinheiro. Onde houver recursos, lá estará esse grupo. A eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, assim como o impeachment de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República tiveram a digital desse grupo fisiológico. Na prática, isso quer dizer que, nas atuais circunstâncias, uma destituição de Bolsonaro dificilmente ocorrerá com Lira no comando da Câmara. Já há ao menos 63 pedidos de impeachment esperando a análise do presidente da Casa. Só haverá uma mudança de rumos se as duas condições primeiras para o Centrão mudem: as promessas ao grupo não seja cumpridas e Bolsonaro sofrer uma desidratação severa de aprovação.

Ainda assim, o termo impeachment voltou ao vocabulário de Brasília, ao menos como instrumento de pressão. Nesta quarta, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que irá exonerar o chefe da assessoria parlamentar da Vice-Presidência da República, Ricardo Roesch, depois que o site Antagonista revelou que ele trocou mensagens com o chefe de gabinete de um deputado federal sobre articulações no Congresso Nacional para um eventual impedimento de Bolsonaro. É bom estarmos preparados”, diz uma das mensagens. Roesch diz que as mensagens não são suas, mas Mourão não cedeu: “Esse assessor avançou o sinal”.

Na quarta-feira, Bolsonaro admitiu que tinha o objetivo de influir na eleição da Câmara. Disse ainda que Lira seria “o segundo homem na linha hierárquica do Brasil” ―na verdade, é o terceiro e com problemas porque é réu em ações penais, e Bolsonaro pulou justamente o vice Mourão da sua conta. Quando indagado sobre essa afirmação do mandatário, Lira disse que “na presidência da Câmara ninguém influi”. “Se eleito, serei independente, altivo, autônomo e harmônico”, afirmou o parlamentar nesta quinta.

Baleia é classificado como uma pessoa com pouca experiência e que ficou presa a Maia, que demorou a definir o seu candidato. “Em seu favor ele tem apoio de 20 dos 27 governadores que entendem que ele terá mais condições de encaminhar uma reforma tributária que seja benéfica aos Estados”, avalia Barreto.

As diferenças entre eles podem ser vistas nas postagens que fazem nas redes sociais. O discurso de Lira é dirigido aos deputados. “Para simplificar: eu sou o candidato da palavra cumprida e do aperto de mão”, disse em uma mensagem o membro do PP. Enquanto que Baleia fala para o público externo e reforça a necessidade de se desvincular do Planalto. “Quem se incomoda com o protagonismo da Câmara nos últimos tempos, na verdade, deseja um Parlamento de joelhos para o Executivo. Somos diferentes”, afirmou.

  • Com informações de El País

O que está em jogo na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados

A disputa pela presidência da Câmara avança pelos estados com as visitas dos principais candidatos às bases eleitorais dos demais deputados e encontros com governadores, que exercem influência em suas bancadas federais. Divergências políticas à parte, os líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do PP, Arthur Lira (AL), acenam com a distribuição de cargos e a inclusão de propostas em pauta para alcançar os votos necessários para a eleição.

O eleito controlará a pauta legislativa do país, será o segundo na linha da sucessão presidencial, atrás apenas do vice, e terá poder para dar andamento ou não a algum pedido de impeachment contra o presidente da República. Além de tudo isso, poderá distribuir cargos comissionados na Casa e ganhará a visibilidade para alçar voos políticos mais altos.

Arthur Lira
Apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro e líder do Centrão, bloco informal de partidos de centro e direita conhecidos por negociar cargos e emendas em troca de apoio, Lira atua desde o início de 2020 como intermediário entre deputados e o Planalto. Desde então, nomeações de afiliados políticos de parlamentares em postos no Executivo passam por ele. Em busca de votos, o líder alagoano tem prometido intensificar a distribuição de cargos entre aliados. 

Em 18 de dezembro, o Congresso aprovou um projeto do Executivo que liberou R$ 1,9 bilhão para indicações de parlamentares. Na prática, deputados e senadores podem orientar a destinação do dinheiro em sete ações orçamentárias de quatro ministérios (Agricultura, Desenvolvimento Regional, Educação e Turismo). Parlamentares que não fazem parte do Centrão afirmaram em plenário que o objetivo da proposta era agradar aos aliados de Arthur Lira e facilitar sua eleição à presidência na Câmara.

A expectativa é de que os partidos da base de Bolsonaro indiquem mais aliados para integrar o governo, em cargos cada vez de maior escalão. A ideia é acomodar na Esplanada dos Ministérios as forças que ajudarem Lira a vencer, a começar por representantes de partidos como o PP, o Republicanos e o PL.

Um deputado da base governista disse ao Congresso em Foco que há possibilidade de reforma ministerial mesmo em uma eventual derrota de Lira para contemplar as bancadas mais fiéis ao governo. 

Outros deputados da base avaliam que o cenário na disputa entre os congressistas do PP e MDB ainda é incerto e que por isso ainda não é o melhor momento para definir quais ministérios serão oferecidos nem quais partidos vão ocupá-los.

Baleia Rossi
Já o presidente do MDB assumiu uma série de compromissos em troca do apoio dos partidos de oposição. Entre eles, garantir o uso adequado de instrumentos de fiscalização do Executivo, como comissões parlamentares de inquérito (CPIs), votação de projetos de decretos legislativos que revoguem normas do governo consideradas inconstitucionais e até análise de processos de impeachment.

Os partidos de oposição (PT, PDT, PSB, PCdoB e Rede) também cobraram do líder emedebista uma agenda de votações, com a análise de projetos que estabeleçam renda mínima e que garantam a vacinação a todos contra a covid-19.

O PT, como é a maior bancada do bloco de Baleia, com 52 deputados, deve ficar com a primeira secretaria da Casa Legislativa caso o emedebista vença. A primeira secretaria é importante porque administra os recursos financeiros da Casa. 

Além disso, o PT vai reivindicar a presidência de três comissões. Desde 2015, quando Eduardo Cunha (MDB-RJ) assumiu a presidência da Câmara, o espaço do PT na Casa foi sendo reduzido, sem cargos na Mesa Diretora, relatorias de projetos ou comando de comissões importantes. Caso Baleia seja eleito, o partido pode voltar a ter influência dentro do Legislativo.

O PSL também deve ocupar um cargo importante na Mesa Diretora. O presidente do partido, deputado Luciano Bivar (PE), afirmou ao site que a sigla ainda não decidiu qual posto reivindicar e que isso está sendo conversado com as demais legendas do bloco.

O grupo de partidos que apoia Baleia soma 268 deputados, o que ultrapassa em 11 o número mínimo de deputados para eleger em primeiro turno o presidente da Câmara, que é e 257.

Já o bloco de Arthur Lira soma, em tese, 205 votos. PP, Solidariedade, PL, PSD, Patriota, PSC e Avante declararam apoio a Lira. Também está sendo negociado o apoio do PTB e do Pros. No entanto, o voto é secreto e o cenário pode se inverter caso haja traições ao grupo de Baleia. Lira mira no apoio de dissidentes do DEM, PSDB, PSL e PSB para ser eleito.

  • do Congresso em Foco/Lauriberto Pompeu