Hoje celebro o início de mais um dia com nossos leitores apresentando uma bela poesia de nosso grande poeta, Carlos Drummond de Andrade. À você que gosta de brincar com as palavras e quer mostrar sua arte, fique à vontade. Envie sua poesia que publicarei. Agora, para iluminar o dia, com vocês “Os ombros suportam o mundo”:
“Chega um tempo em que não se diz mais:
meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais:
meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
* Carlos Drummond de Andrade, poeta, cronista, contista e tradutor brasileiro. Sua obra traduz a visão de um individualista comprometido com a realidade social. Nasceu em Itabira (MG), em 31 de Outubro de 1902, e nos deixou em 17 de agosto de 1987. Várias obras do poeta foram traduzidas para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas. Drummond foi por muitas décadas o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo, tendo também publicado diversos livros em prosa.