Comissão da Verdade de Joinville (SC) ouviu ex-militar, hoje integrante do Governo Udo Döhler

Fraiz é hoje secretário de Governo do prefeito Udo Döhler
Fraiz é hoje secretário de Governo do prefeito Udo Döhler

A Comissão da Verdade de Joinville, única de caráter municipal em Santa Catarina, fechou o calendário de cinco audiências públicas do mês de setembro ouvindo, na noite de segunda-feira, mais duas pessoas envolvidas em prisões durante a ditadura militar de 1964 a 1985.

A primeira foi a senhora Zilma Gonçalves Serpa, mulher do militante do Partido Comunista do Brasil Júlio Serpa – preso e torturado entre 1975 e 1976 em Curitiba e Florianópolis,na chamada Operação Barriga Verde.

O fato que surpreendeu a todos os presentes no plenário da Câmara de Vereadores, inclusive os integrantes da Comissão, foi a presença do ex-tenente do Exército Afonso Carlos Fraiz, que integrou o 62º Batalhão de Infantaria de 1974 a 1979 e que participou de duas prisões por razões políticas – de Júlio Serpa e Rosemarie Cardoso.

Fraiz já havia sido convidado a depor na Comissão Estadual da Verdade, porém disse que optou por depor na Comissão de Joinville por livre e espontânea vontade. “Para mim, isso é uma opção pessoal e obrigação moral”, explicou.

Das onze pessoas já ouvidas em Joinville em cinco audiências, o ex-militar é o único que esteve “do outro lado” na condição de integrante do Batalhão de Infantaria de Joinville. “Não tenho qualquer constrangimento em estar aqui porque cumpríamos ordens que, em resumo, eram as de levar essas pessoas para o batalhão. Vale lembrar que ninguém ficou em cela ou foi torturado. A Rosemarie, por exemplo, ficou o tempo todo na sala de Relações Públicas. E poucas pessoas, no Batalhão, sabiam dessas detenções”, destacou.

Paranaense de Curitiba, Afonso Fraiz relatou que chegou a Jonville em 1974, com 24 anos, e vivenciou três episódios marcantes relacionados com prisões políticas.

Dois foram as detenções de Rosemarie Cardoso e Júlio Serpa. A terceira foi a missão de buscar, na casa de um preso, uma mala de roupas, onde sentiu o clima de apreensão e medo no rosto da mulher que o atendeu e de duas crianças de três a cinco anos que estavam na sala. “Até hoje essa cena me marca muito. Para quem cumpria aquele tipo de ordem não era nada agradável”, relatou.

Disse também que o 62º BI serviu unicamente como ponto de apoio para as prisões. Todos que ali chegavam, segundo relatou, eram levados para outros lugares (Curitiba e Florianópolis) no mesmo dia.

“Nenhum preso era resultado de investigação do Batalhão. Ninguém sofreu qualquer tratamento degradante. A lista de nomes vinha de Itajaí e outros lugares”, relembrou.

Essa dinâmica foi confirmada pela mulher de Júlio Serpa, Zilma, que relembrou na mesma audiência que na primeira prisão ele foi detido pelo Exército e solto no mesmo dia. As outras prisões foram por outros órgãos de segurança. “Na segunda vez, sumiu. Ficou duas semanas desaparecido. Depois, ficou dez meses entre Curitiba e Florianópolis, onde passou por torturas como choques e pau-de-arara”.

Zilma relembrou que, como outras mulheres de presos, a família ficou toda desorientada, especialmente ela que tinha três filhas e estava grávida da quarta, que nasceu prematura de sete meses. “Sofremos muito até soltarem ele. Na retomada da vida, Júlio teve o emprego de volta na mesma empresa. Depois, éramos tachados de comunistas até por parentes. Ficamos isolados, com medo de sair de casa, medo só de ver um policial na rua. Depois de três meses, nossa casa apareceu toda revirada”, recordou Zilma.

Reta final
A Comissão da Verdade de Joinville fechou a agenda de audiências, mas ainda haverá tempo hábil para ouvir outras pessoas. É composta por dez membros entre titulares e suplentes que representam os poderes Executivo, Legislativo, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituições de ensino superior e instituições de defesa dos direitos humanos.
Durante os 21 anos do golpe militar, de 1964 a 1985, são conhecidos casos de 90 pessoas que foram presas ilegalmente em Santa Catarina, quase todas ouvidas pela Comissão Estadual da Verdade.

Com informações da Secom/PMJ

Autor: Salvador Neto

Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, co-fundador da Associação das Letras com sede no Brasil na cidade de Joinville (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011) e Gente Nossa (2014). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.

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