Sou do tempo da ditadura. Nasci no meio dela. Cresci e estudei entre sussurros. Vivi o medo, a falta de liberdades. Senti na pele a opressão policial, mãos na parede, revista. E vi e vivi momentos da retomada da democracia, com o povo nas ruas. A democracia veio, mas só quando “eles” devolveram, por pura incompetência e falta de vontade após quebrar o Brasil. Como jornalista, já estudei muito sobre o tema, entrevistei muita gente que foi vítima desse tempo, que devemos lutar para que jamais retorne.
Sou absolutamente favorável ao povo nas ruas, mobilizado, fazendo pressão. Sou um dos que veem na política o meio para se fazer uma sociedade melhor e mais justa. Vivi e vivo nesse meio. Todos vivemos, mesmo sem saber. Mas temos também de participar da política. E participar não é somente atirar pedras, tocar fogo, gritar palavras de ordem. É também acompanhar seus eleitos, ir nas sessões da Câmara de Vereadores, ver projetos e ler. Acompanhar seus deputados e senadores.
Realmente temos um momento histórico. Jovens, velhos, homens, mulheres, todos nas ruas pedindo por um Brasil melhor. Implorando por mais saúde, transporte coletivo, educação de qualidade. Mas, cuidado! Assim como fomos manipulados pela grande mídia por longos anos, também podemos ser manipulados pelas grandes redes sociais. Não podemos perder de vista o olhar crítico, a análise dos fatos, a criticidade que nos faz buscar a verdade, entender o que se passa, quais os atores verdadeiramente envolvidos.
Como disse, já vivi a ditadura. Já vivi a volta da democracia, que ainda falta muito para realmente estar enraizada em nossas vidas, instituições. Ainda discutimos se nossos irmãos do nordeste devem ter água para viver, se devem receber ajuda para ter um mínimo de dignidade, de acesso à cidadania. Lutamos ainda por mais vagas nas creches e escolas, tem criança que infelizmente ainda morre de fome, andam nas ruas pedindo esmolas. E nossa sociedade, com todo o respeito, se mobiliza em campanhas para retirar animais das ruas. Ainda temos dificuldades em compreender que todos são iguais. Que negros, índios, GLBTs, minorias, todos temos direitos iguais.
Finalmente, como mais um a escrever para ajudar na reflexão do momento em que vivemos. Não basta ser um ativista via redes sociais, e agora sair às ruas no rumo do efeito manada, onde todos acham bacana seguir os outros, pensar como todos, e até… agir como todos. Será que é só isso? Não. Com certeza não. Esse movimento de estarmos todos nas ruas deve ser permanente todo o tempo. Nas escolas, nas ruas, nas eleições, nas festas, nos legislativos, executivos. Nos grupos sociais de igrejas, associações, empresários, todos, é sempre hora de falar sobre o que é certo ou errado para o país.
Sempre é momento de debater. De reunir e ir cobrar do Prefeito, dos vereadores, dos deputados estaduais e federais, senadores, que nós não queremos tal lei, tantos aumentos, tantos erros e desmandos! Nesses momentos de agitação, revolta, e até indução para atos não tão nobres, você deve pensar: porque mesmo estou aqui? Será que não estão também me manipulando para atingir objetivos obscuros? Em 1963/64 foi assim também. E vivemos longos anos na escuridão. Ainda estamos tentando curar as feridas da ditadura.
Portanto, vamos às ruas sim. Mas tome cuidado quando começa o “fora isso”, fora aquilo, fora este, fora aquele, ou aquela! O movimento é legítimo, necessário, mas tem muita gente esperta interessada no fogo das ruas. Vamos também exercer todos os dias a nossa cidadania, em todos os momentos. Sair do sofá, da cadeira, da frente do computador todos os momentos em que algo estiver errado para a coletividade. E não para grupos ou individualidades. E cuidado, muito cuidado com o efeito manada. Ele pode nos levar longe, mas também nos precipitar em um abismo sem fim. Às ruas, mas com consciência e atenção!