“Há tempo de celebração e tempo de doída reflexão. Tempo de celebrar o funcionamento do primeiro mês de trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e tempo de lamentar a decisão e a forma como o Estado e o governo brasileiros responderam essa semana à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA) sobre o assassinato do jornalista Vladimir Herzog.
Definitivamente, sem acordo.Não há possibilidade, nenhuma mesmo, de coonestar a lamentável decisão do Estado, de comunicar à OEA, num arrazoado de 40 páginas, que não pode instaurar processo de investigação do assassinato do jornalista no DOI-CODI do II Exército porque a Lei de Anistia de 1979 o impede.
Foi a justificativa do Estado à CIDH-OEA que a Lei da Anistia para não abrir uma ação criminal para investigar a morte de Herzog. Em março pp., o Brasil foi denunciado à Comissão por entidades de direitos humanos como Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FIDDH), Grupo Tortura Nunca Mais e Instituto Vladimir Herzog.
Por isso, agora, o Estado brasileiro foi obrigado a apresentar uma resposta oficial. E o fez da pior forma possível. Em sua defesa, argumentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou como válida a Lei da Anistia recíproca. Isso o impede, alegou o governo brasileiro, de abrir um processo criminal sobre o caso. Além disso, o Estado informou que criou a Comissão da Verdade, que provavelmente vai analisar o caso para fazer um relato oficial.
Resposta revoltou familiares do jornalista e entidades denunciantes
Com razão. Um dos filhos do jornalista, Ivo, lembrou que um dos motivos para a ação na OEA é que até hoje o assassinato de Herzog consta no atestado de óbito como “suicídio” e, apesar disso, o documento foi anexado à defesa do Brasil na OEA, o que deixou a família ainda mais revoltada. A versão de suicídio é do Exército.
A Lei da Anistia não proíbe investigar como Herzog foi assassinado na tortura e sim a punição de seus algozes. Assim, devíamos abrir uma investigação sim. A resposta brasileira foi uma péssima saída. Pior a emenda que o soneto.Não podemos aceitar e nem concordar com isso.
O erro do Estado é mais grave, ainda, porque a resposta não vem acompanhada de nenhuma medida – mínima que seja – de investigar os mandantes e autores do assassinato, nem detalha iniciativas para a retificação do atestado de obito e nem para levar as Forças Armadas a apresentarem um pedido de desculpas.
É tempo de avançar em medidas além da Comissão da Verdade
Já é tempo de buscarmos medidas para além das que já adotamos como a anistia, reparação, reconhecimento, resgaste da memória e criação, instalação e início do funcionamento da Comissão Nacional da Verdade. Desta, aliás, a nação espera que repare essa situação injusta começando investigar o caso Herzog, identificando seus algozes, expondo-os à historia e retificando seu atestado de óbito.
Já que o Estado e o governo brasileiros tiveram essa posição, que os tribunais internacionais, então, processem os autores do crime de tortura (imprescritível, de acordo com a ONU) e assassinato como forma de fazer justiça e reparação à ignomia da farsa do suicídio.”
* Zé Dirceu, ex-deputado, ex-ministro e ex-presidente do PT Nacional, editor do Blog do Zé