Mazzaropi 100 anos – Ele também contou a história dos transportes
O centenário de um gênio da simplicidade. Amácio Mazzaropi completaria 100 anos nesta segunda-feira. Com personagens simples e uma linguagem bem próxima do povo, registrou o cotidiano do País, inclusive nos transportes, mesmo sem ter esse objetivo. Reportagem de Adamo Bazani, CBN e Blog Ponto de Ônibus.
Tudo o que é genial, é simples. Por mais que o mundo se torne complexo, com um turbilhão de tecnologias, filosofias, pensamentos e sentimentos, é na simplicidade que aparecem as grandes respostas. O cineasta, ator de rádio, de TV, de circo, cantor, diretor, Amácio Mazzaropi é um exemplo disso. Mazzaropi que marcou a história do cinema nacional chegava até demonstrar uma espécie de despretensão pela sua simplicidade.
Seus textos, seus personagens, suas filmagens, com destaque as realizadas pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, mostravam o cotidiano. Os homens simples, as cenas do dia a dia, tudo o que fazia rir, mas de uma maneira não pesada, pensar também. Ao registrar o cotidiano, Mazzoropi expunha as contradições da sociedade. Quer mais crítica social que o um dos mais famosos filmes dele, “Tristeza do Jeca”?
Mas a simplicidade de Mazzaropi era tão superior ,que os ditos intelectuais do cinema da época não conseguiam entendê-la. Dificilmente ele era alvo de críticas positivas. Seu trabalho em sua época se dependesse das pretensas mentes pensantes estaria fadado ao fracasso. Mas isso não atingiu Mazzaropi, pois o povo o entendia e o prestigiava. Tanto é que ele jamais precisou de um tostão do INC – Instituto Nacional de Cinema, que era um órgão importante para a cultura, mas que acabou tendo o papel de provocar uma sangria de recursos públicos para obras que nada acrescentariam à cultura nacional.
Nesta segunda-feira, dia 09 de abril de 2012, Amácio Mazzaroppi, se estive vivo, completaria 100 anos. O cineasta do povo, diferentemente do que muitos pensam, não é natural do interior Paulista. Ele nasceu no bairro de Santa Cecília, em 09 de abril de 1912, bem no centro da cidade de São Paulo, que já nesta época dava ares de se tornar a metrópole conhecida dos dias atuais.Mas com dois anos de idade foi para Taubaté, no Interior de São Paulo, com o pai, o imigrante italiano, Bernardo Mazzaroppi, e a mãe a portuguesa, Clara Ferreira.
O dom artístico de Amácio Mazzaropi teve reflexo no seu avô, João José Ferreira, tocador de viola e animador de festas. O pequeno Mazzaropi ficava boa parte do tempo, quando não estava no colégio, nas festas e na casa do avô, em Tremembé, cidade também do interior Paulista. Na vida escolar, Mazzaropi se destacava em pequenas apresentações de teatro e fascinava professoras e colegas ao decorar poesias com facilidade. No ano de 1919 volta com a família para a Capital, mas em 1922 teve de regressar ao interior. Seu avô, o que despertou a veia pelas artes e o amor pela cultura caipira, havia falecido neste ano e todos precisavam ajudar os parentes.
A família abriu um pequeno bar, mas Mazzaropi começava a seguir os circos da região. Na época, quem trabalhava em circo não era bem visto pela sociedade. Era como se fosse um não trabalhador, um cigano, alguém envolvido até mesmo em promiscuidades. Essa era a imagem, mas não era a realidade completa. Os familiares de Mazzaropi se preocuparam com o envolvimento dele na vida circense. Então, ainda criança, ele foi mandado para morar com o tio, Domenico Mazzaropi, em Curitiba, no Paraná. Lá ele trabalhou na loja de tecidos da família. Mas a arte chamou Mazzaropi.
Com 14 anos, em 1926, voltou para São Paulo com o objetivo de seguir a carreira no circo. Logo em seguida, foi contratado pelo Circo La Paz. Mazzaropi foi um dos primeiros no País a fazer o que hoje virou moda: o stand up comedy. Nos intervalos das apresentações do faquir, subia ao picadeiro, e contava sozinho, causos e piadas. Fazia a platéia rir. Mas a vida no circo não era fácil e também não muito rentável. Sem poder se manter, voltou para a família em Taubaté, no ano de 1929.
No ano de 1932, a Revolução Constitucionalista, por parte do Governo Paulista, contra o Estado de Getúlio Vargas, proporcionou uma efervescência cultural muito forte. E neste cenário, Mazzaropi estréia sua primeira peça teatral: A herança do Padre João. A troupe de Mazzaropi percorria cidades do interior de São Paulo, mas com a morte de seu pai, já muito debilitado de saúde, em 08 de novembro de 1944, a situação financeira da família se complica de novo. Mazzaropi, no entanto, não desiste da vida artística e no mesmo ano vai trabalhar no Teatro Oberdan, com a peça “Filho de sapateiro, sapateiro é”. No elenco estava também Nino Nello.
Do teatro para o rádio
O rádio na época de Mazzaropi, de ouro na cultura brasileira, não era como hoje, que se limita a tocar músicas gravadas sempre compactuado com os interesses das gravadoras. O rádio desvendava talentos, tinha platéia, música ao vivo. E em 1946, a convite de Dermival da Costa Lima, da Rádio Tupi, começou a participar do programa Rancho Alegre, que ia ao ar aos domingos. No ano de 1950, o programa estreou na TV Tupi, e Mazzaropi estava lá.
Mas o marco maior de Mazzaropi ainda estava por vir: era o cinema. E o ano de 1952 foi o início desta trajetória. Convidado por Abílio Pereira de Almeida e Franco Zampari estréia no cinema com o filme Sai da Frente, rodado nos estúdios da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Na Vera Cruz gravou outros dois filmes, mas com a situação financeira precária da Companhia, teve de procurar outras produtoras, até que em 1958 vende sua casa e monta a PAM – Produções Amácio Mazzaropi. O primeiro filme de sua produtora foi Chofer de Praça.
No ano de 1961 compra uma fazenda para rodar seus filmes e lá grava seu primeiro trabalho em cores, Tristeza do Jeca. Foram 32 filmes em sua carreira. O trigésimo terceiro, Maria Tomba Homem, não foi finalizado. Aos 69 anos, em 13 de junho de 1981, Mazzaropi morre no Hospital Albert Einstein, vítima de câncer na medula óssea. Mazzaropi deixava saudades, mas eternizava com suas filmagens simples o cotidiano do País.
E qual o motivo de um espaço que fala sobre ônibus estar lembrando de Mazzaropi? Ao relatar e registrar o cotidiano, mesmo sem esta intenção, Mazzaropi também contribuiria para a memória dos transportes, pois os transportes fazem parte do cotidiano do público e dos personagens de Mazzaropi, tanto no campo como na cidade.Ver filmes de Mazzaropi é também uma aula da história do setor.
Trens, bondes e vários modelos de ônibus que marcaram a evolução das carrocerias e chassis. Um desfile de jardineiras (ônibus rústicos sobre chassi de caminhões), veículos de madeira, os de carroceria de metal, iam aparecendo a cada obra de Amácio Mazzaropi. Modelos da Carbrasa, da Grassi, da Caio, ônibus sobre chassi FNM, Mercedes, Volvo foram gravados por Mazzaropi.
Talvez ele nunca soube disso e nem teve essa pretensão, pois o que é simples, parece despretensioso, mas a história dos transportes também têm muito a agradecer ao gênio da simplicidade, Amácio Mazzaropi.
Texto, pesquisa e reportagem: Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes (fã de Mazzaropi e de tudo que é simples).
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