Realengo: As perguntas sem respostas

Há muito tempo não se via uma cobertura noticiosa tão extensa quanto a do massacre da escola do Realengo. Já se falou de tudo (e, como se comentou nesta mesma coluna, todos os preconceitos encontraram lugar nas matérias). Mas foi preciso ler uma novelista, Glória Perez, para lembrar quais as perguntas que não foram feitas nem respondidas. Sem as indagações de Glória, qualquer reportagem ficará incompleta. Algumas dúvidas:

1. Qual a fonte de renda do atirador? Segundo as reportagens, estava desempregado há seis meses. Mas sua conta de telefone ultrapassava os R$ 900 mensais, segundo o jornal Extra; doava R$ 50 mensais a uma entidade beneficente; pedia refeições diariamente no Bar do Bigode, pagando R$ 7 cada uma. Pagou R$ 1.200 por uma arma, R$ 260 por outra, em dinheiro; comprou muita munição, não apenas para o massacre, mas também para treinar tiro. Comprou o carregador rápido para não perder tempo colocando balas nos revólveres.

2. Por falar em treinamento: quem o ensinou a atirar? Onde treinava, em que local que ninguém o via?

3. Fala-se em insanidade mental. Existe algum prontuário que ateste esta insanidade? Se não existe, de onde tiraram a informação, considerando-se que o rapaz morreu logo depois do massacre? Se existe, quem foi o médico que o examinou? Que remédios lhe receitou?

O crime foi tão terrível que, aceitemos, repórteres e editores ficaram desnorteados. Mas isso ocorre num primeiro momento. Já se passaram quase duas semanas desde que o crime foi cometido, já houve tempo para que editores e repórteres façam as perguntas corretas para obter respostas sejam satisfatórias.

Até lá, o que os meios de comunicação têm feito é mostrar a pessoas que querem se tornar famosas que, se cometerem um crime suficientemente hediondo, terão por um determinado período toda a fama que desejam. Definitivamente, não é esta a função da imprensa.

Vale um debate jornalístico sobre este tema: até que ponto é possível evitar a glorificação de um assassino em massa, sua transformação em lenda?

Por Carlos Brickmann, do Observatório da Imprensa

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Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, cofundador da Associação das Letras com sede no Brasil (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 35 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, assessoria de imprensa, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011), Gente Nossa (2014) e Tinha um AVC no Meio do Caminho (2024). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.