Memória: João Colin 100 anos, o tributo de uma filha

Estátua do ex-prefeito João Colin está instalada no final da rua que leva seu nome, em uma praça que por vezes é até abandonada

Essa matéria eu produzi para o jornal Notícias do Dia em 2011, e sei que causou boa repercussão pelas lembranças do grande prefeito de Joinville, João Colin, marcando os 100 anos de seu nascimento caso ainda estivesse entre nós. Meus agradecimentos especiais para a senhor Rose-Marie Colin Storrer, e seu marido Edson Storrer, que abriram não só a casa e documentos antigos, mas também o coração para conversar comigo. Com muito orgulho do trabalho jornalístico, compartilho com os leitores essa bela história de gente que fez pela maior cidade de Santa Catarina:

“João Colin 100 anos – o tributo de uma filha”
Rose-Marie Colin Storrer mantém vivas as lembranças do pai no ano que marca o centenário de seu nascimento

Dia 12 de dezembro de 1957, dez horas e vinte minutos de uma noite em que o sono insistia em não chegar para Rose-Marie. O relógio de cabeceira faz um barulho alto e pára, tirando a adolescente da cama em um salto. “Acordei e vi meu pai na minha frente dizendo ‘estou indo’, e me assustei! Falei para minha tia: o pai morreu. Ela não acreditou, mas minutos depois tocou o telefone. Era de São Paulo, o hospital avisando que ele tinha acabado de falecer”, recorda a filha, emocionada mesmo após 54 anos da perda do seu ídolo, amigo, professor, João Herbert Érico Colin, ou simplesmente João Colin, um dos maiores prefeitos que Joinville já conheceu.

Rose tinha entao apenas 14 anos, e a perda prematura do pai a marcou muito. “Ele não foi só meu pai. Foi meu amigo, meu professor, e quando morreu eu fiquei completamente sem chão. Tenho saudades dele até hoje”, comenta ela sentada na mesma poltrona que João Colin sentava em sua casa, na sala de estar. Aliás, Rose e seu marido Edison Storrer fizeram questão de manter a residência exatamente como o líder político e empresarial a construiu, e mais, com móveis também da época, um verdadeiro museu histórico com livros, estantes, mesas, relógios, fogão à lenha onde muitas refeições foram produzidas, um ambiente que remete à Joinville da década de 1940.

Nascido em 2 de agosto de 1911, o único filho homem de Otto Colin e Ingeborg Hermann Colin – eles tiveram mais duas filhas, Inge Colin que também foi deputado estadual, e Hertha – João Colin estudou na Deutsche Schule, antiga Escola Alemã, onde hoje funciona o Colégio Bom Jesus. Muito ativo, falante e com raciocínio rápido o jovem João já se destacava como líder, e recebeu algumas horas de “castigo”, confirma a filha Rose-Marie. Complementou os primeiros estudos no Colégio Catarinense em Florianópolis, e dali foi para o Rio de Janeiro estudar direito na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, onde se formou em 1933 como o primeiro aluno da turma. Voltou a Joinville e exerceu a advocacia até quando foi convidado a assumir o comando das empresas da família que incluíam Indústrias Colin e Cia, Fiação Joinvilense, Ambalit, Cotonifício, e depois, uma indústria de felpudos, como conta Rose.

“Os familiares pediram muito a ele para assumir os negócios, que passavam por dificuldades. Meu pai tinha comando, tino para os negócios, para administrar e colocou as empresas como das maiores da cidade”, afirma ela com orgulho. Agitado e ansioso em realizar, João Colin dormia pouco, entre quatro e cinco horas somente, e fumava de quatro a cinco carteiras de cigarros ao dia. “Cinco horas da manha ele já estava na firma, na troca de turno. Tratava os operários com respeito e atenção, não diferenciava pessoas”, conta Rose. Suas paixões eram automóveis – “teve Buicks, Pontiacs, todos pretos e sempre com placas de numero 33, que ele dizia que lhe davam sorte” diz ela – o futebol com o Caxias, artes e a sua cidade.

João Colin foi presidente do Caxias, e injetava recursos até para que o clube desfilasse no carnaval. O perfil corajoso e solidário é lembrado pela filha e o marido Edison em uma passagem na entao fechadíssima Harmonia Lyra: “Só entravam doutores, a alta sociedade. Ele decidiu que o seu amigão, o negro Benedito, ia almoçar com ele lá. Os dois foram de terno, entraram com todo mundo olhando. Benedito falava alemão, pediram os pratos, e depois saíram. Ninguém falou nada”, contam às risadas. Esse lado social marcou muito a entao pequena Rose-Marie em visita ao Lar Abdon Batista. “Eu tinhas uns quatro ou cinco anos. Ele chorava de ver o lugar onde as crianças ficavam. E decidiu que ia reconstruir e dar dignidade a elas. E fez. Durante muitos anos até a morte dele as crianças e as irmãs vinham aqui em casa cantar o coral para ele”, recorda.

Com a redemocratização do país após a queda do ditador Getúlio Vargas em 1945, o empresário vitorioso entrou na política. Fundou em Joinville a União Democrática Nacional, a UDN em 1946. Foi eleito vereador, Prefeito por duas vezes (1947-1950 e 1956-1957), deputado estadual (1951-1955), e foi também Secretário de Obras e Viação do Governo de Irineu Bornhausen (1951-1955) por curto período. “Meu pai era pavio curtinho, curtinho! Bateu de frente com a turma da Ilha, e não deu outra. Decidiu voltar a Joinville, onde dizia, tinha muito a fazer”, conta Rose. Seus grandes adversários políticos eram Nereu Ramos (PSD) no estado, e Jota Gonçalves na cidade.

A popularidade de João Colin, seu estilo de estar sempre próximo ao povo o fez vencer a primeira eleição para Prefeito com sobras. A filha lembra que alguém disse a ele que se vencesse, pegaria um abacaxi. “Quando ele ganhou, eu disse a ele: pai, cadê o abacaxi”, relembra com saudades. A força política de João Colin o fez ser o deputado estadual mais votado do estado, levando consigo mais três deputados para a Assembleia Legislativa. Segundo dados do TER/SC, o deputado eleito conquistou 7.807 votos, o dobro dos demais eleitos, no tempo em que apenas 279 mil votaram para a assembleia legislativa. Foi ele quem lançou na política o primo Rolf Colin, que foi vereador e prefeito, e também Curt Alvino Monich (vereador), Nilson Bender e Helmut Falgatter, ex-prefeitos, os três seguidores da linha política de Colin.

Rose-Marie lembra do quanto a casa deles era agitada e movimentada. Entre tantas figuras ilustres, destaques para o governador de São Paulo, Adhemar de Barros, o governador Jorge Lacerda, entre tantos personagens ilustres. “O Adhemar ficava hospedado em nossa casa. Fritava ovo de manha cedo, era pessoa simples. O Lacerda, meu pai era primeiro adversário político, e depois o ajudou a ser governador”, destaca. Quando João Colin morreu no dia 12 de dezembro de 1957 no Hospital 9 de Julho em São Paulo, Adhemar de Barros mandou batedores pararem o transito para o traslado do corpo até o aeroporto, confirma Edison Storrer. E Jorge Lacerda insistiu para que adiassem o enterro até que ele pudesse ver João antes. Pedido atendido pela família.

A filha e o marido lembram de outra passagem engraçada que envolveu o João Colin e mostra o seu estilo peculiar. O embaixador da Alemanha veio à cidade e queria falar com o prefeito. Chegou na frente da Fiação Joinvilense e falou com um homem que estava sobre um trator, manobrando e aterrando um terreno. “Era o João Colin, mas ele não sabia. Meu pai disse a ele que era só entrar que o João Colin o atenderia. Quando o homem olhou e viu que era o mesmo, não acreditou”, diz Rose. Era homem de estar nos bairros, ao lado da população. Ajudou muitas pessoas, mas pedia anonimato às mesmas, não sem antes fazer um teatro negando o pedido. Detestava paletó e gravata, preferia andar casualmente, e de preferência com mangas arregaçadas. Aliás, seu mantra era “de mangas arregaçadas pelo bem e pela grandeza de Joinville”.

Homem público de visão, João Colin marcou sua passagem administrativa na Prefeitura pela pavimentação com paralelepípedos, iniciando um processo irreversível de desenvolvimento da infraestrutura de Joinville. Ruas como Duque de Caxias (hoje João Colin em sua homenagem), Nove de Março e 15 de Novembro. Abriu ruas e espalhou a cidade para o norte, sul, leste e oeste. Melhorou o abastecimento de água da cidade, deixou projetos para novas adutoras como a do Piraí, e tinha até projeto para que o município tivesse o seu aeroporto internacional, com acesso por avenida com quatro pistas, toda ornamentada nas laterais por lírios, conforme recorda Rose-Marie. “Ele tinha uma inteligência enorme, difícil de acompanhar. Era um homem à frente de seu tempo”, elogia ela.

Até no casamento João Colin foi determinado. Rose conta que o pai lhe dizia que ao ver a futura esposa, Paula, em seu escritório a procura de trabalho decidiu: vou casar com ela. Casou mesmo em 1941, e colocou seu nome no filho de Paula do primeiro casamento, do qual era viúva: Pedro Colin, já com 14 anos. Pedro teve destacada trajetória política sendo deputado estadual por duas vezes, presidente da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, quatro vezes deputado federal, além de ocupar vários cargos políticos. Pedro morreu em 2008 nos EUA.

Já Rose-Marie nasce em 1943, e é hoje a fonte viva dos fatos que marcaram a vida de João Colin. Ela estudou no Mackenzie em São Paulo após a morte do pai, morou um ano nos EUA, e voltou para Joinville para ficar ao lado da mãe. Casou com Edison Zadrozny Storrer aos 18 anos, ele tinha 19. Hoje vivem lado a lado administrando a Rádio Colon AM, outra luta de seu pai que só se concretizou após seu falecimento, em maio de 1958. Edison com a área financeira e administrativa, e ela tocando a programação. Rose tem os traços parecidos com seu pai, e também o temperamento agitado que a fez trabalhar em quase todas as campanhas do irmão Pedro Colin, ao lado do marido Edison.

“Puxei meu pai, mas não entrei na política como candidata não. Minha filha também é assim, e hoje até se arrepende de não ter entrado na política”, comenta Rose sobre a filha Ana Cristina Colin Storrer, psicóloga, casada com Jean Lischka, que lhe deu o único neto. O nome? João Colin. “O sonho de meu pai era ter um neto que levasse o seu nome à frente. O João tem seis anos, e tem verdadeira adoração pelo bisavô, pela história que contamos. Até os taxistas que ficam na Praça (início da Santos Dumont) já o conhecem. Que ele seja bom no que ele quiser ser, esse é o meu desejo”, afirma a avó coruja.

Sobre as causas da morte precoce de João Colin, Rose-Marie não gosta de comentar. Assinala apenas que foi provocada por depressão profunda fruto de um desgosto com negócios familiares. “Ele teve um infarto na própria empresa, e dali para frente vieram sete úlceras no estomago, e por fim a pneumonia que o tirou de nosso convívio. Não guardei fotos do seu enterro e velório, não gosto de lembrar. Ele foi tudo para mim. Mas penso hoje que há pessoas que vem para cumprir uma missão, realizam e vão embora, e ele foi assim. Mas nunca o esqueceremos”, afirma. Seu funeral foi um acontecimento histórico em Joinville. Milhares passaram em seu velório, realizado em sua casa – “pessoas se atiravam no caixão”, e também no enterro no Cemitério Municipal. A mãe Paula Colin morreu em 1973.

No centenário de seu nascimento, o resgate da história marcante desse industrial e político joinvilense relembra o mito que empresta seu nome a uma das principais vias da cidade, a rua João Colin, e a uma praça com um busto de sua imagem produzido pelo amigo Fritz Alt no final da mesma rua, volta e meia fica abandonada pelo poder público. Sua trajetória meteórica deixou um legado de talento administrativo e político exemplar, e de honestidade e popularidade ainda hoje lembrados.

Casa enxaimel passa por processo de restauração no bairro América

A história de Joinville está guardada entre os tijolos, janelas e móveis em um casarão, localizado na rua Araranguá. Considerada a única edificação original da técnica enxaimel com dois pavimentos, no perímetro urbano da cidade, o imóvel de 1910 passa pelo processo minucioso de restauração. As obras de restauração da casa iniciaram em março deste ano com a retirada dos telhados, troca e restauração das madeiras da parte superior e reconstrução de uma das paredes laterais da casa.

O diretor presidente da Fundação Cultural de Joinville (FCJ), Silvestre Ferreira esteve na manhã desta sexta-feira (02/09) visitando o imóvel, para conhecer as obras de restauração. Acompanharam a visita o engenheiro Victor Cavinatto, proponente do projeto, o engenheiro Maurício Jauregui, responsável pela obra, e o arquiteto urbanista e coordenador do Patrimônio Cultural, Raul Walter da Luz.

Os processos de restauro foram realizados a partir do projeto aprovado no Mecenato do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultural (Simdec), da FCJ. A casa tombada em esfera estadual aguardava o processo de aprovação do projeto desde 2001 pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Com a demora na aprovação, o valor das obras teve que ser revisado, resultando no aumento dos serviços de restauração. O projeto de restauração foi dividido em etapas, que foram contempladas pelo Simdec nos anos de 2007, 2008 e 2010. Atualmente, a construtora está finalizando a parte superior da casa. A previsão de término dessas obras é para janeiro de 2012.

O engenheiro mecânico e proponente do projeto do imóvel, Victor Cavinatto, conta que os recursos do Simdec colaboraram com o sonho de restauro da casa. “Com a notícia do tombamento nós (família) ficamos interessados em consersar a história do casarão. O processo de restauração foi muito longo, cheio de entraves. Apenas com a ajuda da Fundação Cultural de Joinville conseguimos desenvolver esse processo, por meio dos recursos do Simdec”, explica o engenheiro. O relacionamento de Cavinatto com o imóvel histórico se envolve com os laços familiares. A proprietária do imóvel é a esposa do engenheiro. A ideia de restaurar a casa partiu da filha Fabiana, que sonhava em montar seu escritório de arquitetura neste espaço.

A quarta etapa das obras aguarda o resultado do Mecenato 2011, que está em tramitação. O valor total da restauração do imóvel ficará em torno de R$ 330 mil, estimativa superior ao orçamento inicial. A parte elétrica e hidráulica serão realizadas na fase final das obras.

A história da casa

A construção da casa, localizada na rua Araranguá, nº 53 no bairro América, é uma réplica original da residência do imigrante alemão Friedrich August Adolf Schmidt. Em 1882, o imigrante chega ao Brasil, vindo a radicar-se em Joinville por recomendações médicas. Ele era prefeito de Blankenheim, sua cidade natal no norte da Alemanha. A construção da casa foi iniciada em 1910 e concluída em 1911, sendo que os tijolos e telhas foram produzidos na olaria da família, também estabelecida na cidade. Essas telhas e tijolos foram preservados nas obras de restauração da casa, assim como os assoalhos, janelas e portas.

O pavimento térreo foi edificado com tijolos maciços, formando uma estrutura autoportante, apoiado sobre base de pedras das quais é formada a fundação. Acima das paredes apoia-se o barroteamento do enxaimel, que apenas foi edificado no pavimento superior. Localizada numa área residencial e central, o imóvel apresenta palmeiras  imperiais em seu jardim.

Os móveis do casarão também irão passar por um processo de restauração. Alguns ítens e objetos foram doados ao Museu Nacional de Imigração e Colonização e a Casa da Memória. Os documentos, fotos e cartas foram destinados ao Arquivo Histórico de Joinville. Por enquanto, os móveis estão guardados em uma oficina para o início do processo de restauração das peças.

Na história da casa nos deparamos com muitos fatos interessantes. Durante as obras no telhado foram encontrados livros e documentos escritos em alemão escondidos durante a guerra. Um dos filhos da primeira geração era colecionador de selos e outro filho colecionava borboletas, além de ser pintor. Atualmente, estas coleções estão em museus no Rio de Janeiro (RJ). Imagens de compositores clássicos estavam presentes nas paredes da casa, inspiração para o pai que também era compositor. A família tem o interesse em preservar o imóvel, não somente pelo valor histórico familiar, mas por representar para Joinville um registro vivo etnográfico e paisagístico.

 Fundação Cultural de Joinville (FCJ)