Síria: cresce pressão internacional após novo massacre

Os relatos de um novo massacre na Síria, desta vez no vilarejo de Qubair, na província de Hama, onde pelo menos 78 pessoas, entre elas mulheres e crianças, foram mortas na última quarta-feira (6), aumentou a pressão internacional sobre o governo do presidente Bashar Al Assad.

Após reunião ontem (7) do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para discutir a crise na Síria, o secretário-geral da instituição, Ban Ki-moon, disse que a contínua violência no país mostra que há uma ameaça real e iminente de guerra civil. Segundo ele, há poucas evidências de que o governo sírio esteja cumprindo o plano internacional de paz negociado pela ONU com o país.

Horas antes, em discurso na Assembleia Geral, Ban já havia condenado o “assassinato de inocentes”, que descreveu como chocante e revoltante. “Qualquer regime ou líder que tolere assassinato de inocentes perdeu sua humanidade”, acrescentou.

O enviado especial da ONU à Síria, Kofi Annan, disse que é o momento de ameaçar Assad com fortes consequências, caso seu governo não interrompa a violência contra civis. Ele destacou ao Conselho de Segurança que a crise na Síria pode se transformar em uma espiral fora de controle, caso a comunidade internacional não aumente a pressão sobre o governo Assad.

Segundo Annan, a comunidade internacional já se uniu em busca de uma solução para o conflito, mas deve agora levar essa união a um novo patamar. “Ações individuais ou intervenções não vão solucionar a crise”. O enviado da ONU disse ainda que esse novo episódio de violência demonstra que seu plano de paz para a Síria não foi implementado, apesar de ter sido aceito pelo governo.

Síria: perigo de guerra civil aumenta após massacre de Houla

O correspondente da BBC Paul Wood, que passou as últimas três semanas na Síria, sem se identificar como repórter, diz que a ameaça de guerra civil está aumentando no país. “Deus irá se vingar por nós” é uma declaração ouvida com frequência em vilarejos sunitas nos arredores de Homs, entre pessoas que se sentem enfraquecidas, desesperadas e amargas. A situação ainda não se tornou uma guerra entre vizinhos e vilarejos ou da maioria sunita contra a minoria governante alauíta e seus aliados xiitas e cristãos, mas as perdas em diversas comunidades podem fazer com que isso aconteça.

O massacre de Houla foi diferente em escala – mas não em natureza – do que tem acontecido nesta região da Síria durante todo o ano. O padrão: o exército bombardeia uma área controlada pelos rebeldes e, em seguida, o grupo paramilitar alauíta “shabiha” chega ao local, cortando gargantas.

Quando começamos a ouvir histórias de pessoas sendo “abatidas como ovelhas” – há muitos meses – elas pareciam fruto de histeria e depois seriam consideradas como propaganda da oposição. Mas há muitos corpos com essas marcas e muitas testemunhas oculares desses crimes.

No último mês de março, eu falei com um homem que descreveu o momento em que se escondeu em um campo e assistiu membros de sua família serem mortos. Os soldados e a shabiha os prenderem no chão, com botas em suas costas e facas em suas gargantas. Houla foi terrível, mas não foi a única.

Linhas de batalha
Frequentemente, quando uma área sunita é atacada, os shabiha vêm dos vilarejos xiitas e alauítas. Ativistas pró-democracia acusam o regime de recrutar esquadões de morte como esse para alimentar o ódio sectário. Dessa maneira, dizem, as minorias que agora apoiam o presidente Bashar Al-Assad irão temer que o mesmo aconteça com eles caso o abandonem. Mas também há vingança dos sunitas. Membros das shabiha capturados são executados pelos insurgentes armados do Exército Livre Sírio. Eu fui informado disso diversas vezes por combatentes rebeldes.

Mas ainda não é o caso de vilarejos inteiros sendo massacrados simplesmente porque pertencem a um grupo. E as linhas de batalha ainda não são puramente sectárias. Do lado do governo ainda há muitos membros sunitas do Exército, a maioria. Na shabiha também há sunitas. Do lado rebelde também há alguns cristãos e alauítas. O risco de eventos como o que aconteceu em Houla farão com que as pessoas se retraiam ainda mais em suas próprias comunidades. O regime já retrata o levante popular como a voz de uma classe baixa sunita.

Reclamações

Paul Wood na Síria em fevereiro. | Foto: BBC

Om Omer, uma refugiada e mãe de seis filhos, falou para mim sobre as queixas sunitas quando a encontrei deixando Homs. Ela se perguntava o que havia acontecido com seu marido, mas assumiu que ele foi morto pela shabiha. Ela contou também como era sua vida antes do levante.

“Meu marido é um trabalhador. Se ele trabalhava, nós comíamos. Se ele não trabalhava, passávamos fome. Já lutávamos uma guerra com a vida, antes da guerra com Bashar Al-Assad. O grupo deles (os alauítas) está satisfeito. O nosso (os sunitas) está faminto.”

É este sentimento – tanto quanto ideais sobre a democracia – que sustenta o apoio ao Exército Livre Sírio. Em todos os lugares onde fui, na última viagem à Síria, ouvi reclamações contra a minoria alauíta. O risco é que toda a comunidade alauíta seja punida pelos pecados do regime.

Diversos voluntários do exército rebelde me disseram que estão lutando por uma democracia secular e aberta. Mas outros disseram que querem matar alauítas e xiitas. “Só aqueles que têm sangue nas mãos”, dizem outros.

o grupo está se mantendo por pouco, sob a enorme pressão das forças do governo. Combatentes estão vendendo sua mobília para comprar balas. Mas os sunitas são a imensa maioria na Síria. Se o conflito se tornar simplesmente sectário, a vantagem em números estaria com os rebeldes.

Ainda não estamos nesse ponto, mas a atmosfera é mais ameaçadora do que jamais foi. Em minhas muitas visitas à Síria e à região de Homs nos últimos oito meses, os sunitas que participam do levante popular negavam que um banho de sangue sectário algum dia aconteceria na Síria. “Isto é o Iraque, não nós”, as pessoas me diziam. “Não há tradição disso aqui.” Mas na última viagem eu conheci um ativista que também dizia isso, mas não diz mais. “A guerra civil começou. No futuro, olharemos para o momento de hoje e diremos que foi aqui que começou.”

Da BBC Brasil