Perfis: Ideraldo Luiz Marcos, o Neco – De chapa a árbitro de futsal consagrado

Nascido em família pobre do Itaum, o menino filho do seu Alires Marcos, mais conhecido por Dico – treinador de escolinhas que já foi retratado no perfil – e de dona Maria Madalena Marcos, aprendeu desde cedo com eles que na vida é preciso ser honesto, trabalhar muito e perseverar. De saca em saca de açúcar que carregava ao lado do pai no Atacado Diana, Ideraldo Luiz Marcos, o Neco, foi moldando seu futuro. Com o esporte em primeiro lugar, o menino já aos 12 anos jogava no time do Pio 12 no Sagrado Coração de Jesus no bairro Bucarein. Com 15 já era o dono do time, organizando agenda de jogos e torneios.

Graças ao amigo Linor do Rosário, volta e meia apitava alguns jogos amistosos do Caxias no Ernestão. Ao mesmo tempo estudava no Colégio Estadual Celso Ramos à noite. Durante o dia trabalhava como chapa. Com o dinheiro do trabalho no último ano do então segundo grau, atual ensino médio, Neco resolveu fazer o vestibular para o curso de Educação Física na Furj, hoje Univille. Passou e se formou em 1979. Chegou a jogar no time de futsal do Guarani com Salomárcio, Renato Cassou, Kimura. “Eu era um fixo forte, só ‘chegava’”, conta ele aos risos altos, marca registrada. Seu primeiro emprego foi no Jec em 1980 como auxiliar técnico de Paulo Coutinho. “Treinei o Hélio dos Anjos, Lico, Barbieri, Adilço, grandes craques”, relembra Neco. Ficou no clube até 1984.

Irrequieto, o jovem já se firmava como árbitro nas horas vagas. Apitou o primeiro Copão Kurt Meinert em 1977. Já professor de educaçao física formado, Neco foi também o primeiro preparador dos deficientes visuais na cidade. “Trabalhei voluntariamente na Ajidevi entre 1983 e 1986. Nao sabia nada, mas fui aprender. Usei cordinha de varal para as corridas que faziamos na pista do Ernestao, cedida pelo seu Mauro Bley”, conta. Nesta época o sonho de ser árbitro ganhou mais força. “Meu sonho era o apito”, revela ao comentar que já era muito requisitado. “Eu posso dizer que vivenciei o sonho em plenitude”, explica o professor de 52 anos, pai de Thomas, 19 anos. Em 1986 entrava no magistério estadual via concurso para trabalhar na escola estadual Alpaídes Cardoso, no bairro Nova Brasília.

De nove irmãos, ele e mais sete irmãs são professores. O professor Neco trabalhou em várias escolas, sofrendo também preconceito por se afastar várias vezes para apitar jogos pelo Brasil. “Muitos não entendiam minhas ausências, licenças, para apitar jogos da Liga de Futsal, Jogos Abertos”, explica. Neco foi árbitro do primeiro jogo da primeira edição dos Joguinhos Abertos. Fez história levando o nome de Joinville e de Santa Catarina por todo o país como árbitro de futsal. “Fui o único árbitro joinvilense que foi da Confederação Brasileira”, ressalta Neco. Ele estima ter apitado cerca de 40 mil jogos na carreira que durou 25 anos e encerrou oficialmente em 2008. “Agora é só pelada”, diverte-se.

O auge da carreira o levou a apitar quatro finais seguidas da Liga de Futsal nacional em 1998, 99, 2000 e 2001. “O dia mais feliz, e também o mais triste de minha vida foi final entre Miécimo (RJ) e Atlético (MG). Minha mãe estava na UTI em Joinville, e eu apitando a final no Mineirinho para quase 26 mil pessoas, o maior público da história do futsal. Chorei o jogo todo, e quando voltei no dia seguinte minha mãe faleceu”, conta. O pai Dico morreu no final de 2010. Neco ressalta sua presença no movimento afro. “Presidi o Kenia Clube durante seis anos, recuperando a sociedade para a raça negra. Fui diretor técnico da Fundação de Esportes, onde recolocamos o futsal joinvilense em atividade com o Jec/FME Futsal em 2000 e atuei também no futebol de campo”, destaca.

Hoje o professor Neco encampa novo sonho: a criação da Liga Norte de Futsal, a Linfesc. “Vamos dar abrigo aos árbitros desabrigados e promover campeonatos em todo o norte de Santa Catarina”, revela. Como professor mantém aulas na escola Maria Amin Ghanem, e hoje trabalha com os filhos de seus ex-alunos. Diabético, Neco leva a vida mais devagar, mas não se afasta do esporte. “Minha vida foi pautada pelo esporte. Fiz grandes amigos, não sei viver longe das quadras”, afirma. Conta que nunca ganhou dinheiro com arbitragem – “mas conheci muita coisa”- e só não chegou a ser da FIFA por imagem. “Eu não tinha o corpo exigido, eles achavam que eu não tinha condicionamento físico”, comenta magoado.

Pós-graduado em Ciência do Futebol e do Futsal pela Fundação Castelo Branco (Ficab), Neco agora se concentra na Linfesc, nas aulas diárias aos alunos do bairro Aventureiro, e nos cursos de arbitragem. “Dei aula para 500 árbitros do Brasil todo pela Federação Catarinense de Futsal. Passo a eles minha experiência, porque nunca deixei nenhum atleta bagunçar jogo meu”, revela orgulhoso. Da vida que iniciou carregando sacos de açúcar com o pai Dico, superando preconceitos, estudando e lutando para concretizar sonhos, Neco deixa seu recado à juventude. “Nunca deixe de tentar. Você pode ser o que quiser ser, se você quiser e lutar por seus sonhos”. Boa juiz!

Publicado na seção Perfil do Jornal Notícias do Dia de Joinville em Junho de 2011.

Autor: Salvador Neto

Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, co-fundador da Associação das Letras com sede no Brasil na cidade de Joinville (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011) e Gente Nossa (2014). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.

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